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Por que o desastre em Mariana gerou processo contra a Vale nos EUA

Ricardo SenraDa BBC Brasil em São Paulo

Além de responder na Justiça brasileira pelo desastre da Samarco em Minas Gerais, a mineradora Vale – coacionista da empresa ao lado da anglo-australiana BHP Billiton – também será cobrada a se explicar sobre o caso em uma corte em Nova York. Na semana passada, o escritório de advocacia The Rosen ingressou com uma ação na Justiça federal americana para cobrar a Vale a compensar perdas de investidores relacionadas à tragédia.

Desde o acidente, em 5 de novembro, as ações da empresa listadas na bolsa de Nova York caíram 27%. O processo engloba todos os acionistas que compraram papéis da Vale nos Estados Unidos entre 21 de março e 30 de novembro de 2015. Detentores de ações da Vale emitidas no Brasil estão fora do escopo da ação.

Maior desastre da história da mineração mundial, segundo a consultoria de riscos americana Bowker Associates, o rompimento da barragem de rejeitos de uma mina em Mariana (MG) deixou 16 mortos e três desaparecidos, além de causar graves danos ambientais e sociais ao longo dos cerca de 700 quilômetros entre o local da ruptura e a foz do rio Doce, no Espírito Santo.

A ação alega que, antes e após o acidente, a Vale deliberadamente divulgou informações falsas, que inflaram artificialmente o valor de suas ações e prejudicaram a capacidade de avaliação de investidores. A abertura do processo foi possível porque a Vale tem ações negociadas nos Estados Unidos e está sujeita às leis que regem o mercado de capitais do país.

O processo tem como réus a Vale, o presidente da companhia, Murilo Ferreira, e o diretor financeiro, Luciano Siani. Segundo a legislação americana, dirigentes de empresas também devem ser responsabilizados por violações, já que as companhias são entidades “fictícias”. Em nota à BBC Brasil, a mineradora afirma que “ainda não há como nos posicionarmos sobre qualquer ação que tenha sido impetrada contra a Vale nos Estados Unidos, mas daremos as respostas apropriadas nos tribunais quando forem necessárias”.

Nesta terça-feira, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, disse que a tragédia de Mariana requer uma “investigação completa e imparcial”. Em encontro informal com membros e observadores do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, o alto comissário afirmou que é responsabilidade conjunta dos governos e das empresas de proteger e respeitar os direitos humanos, de acordo com os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.

Lama tóxica?

Phillip Kim, advogado que assina a ação contra a Vale nos EUA, diz à BBC Brasil que o processo não trata da eventual responsabilidade da empresa na tragédia, mas apenas do comportamento da mineradora ao divulgar informações sobre o vazamento. Segundo a denúncia, a empresa violou a legislação americana ao se posicionar sobre o conteúdo da lama despejada no rio Doce.

A acusação cita uma fala do diretor financeiro da companhia, Luciano Siani, que em conferência telefônica com investidores negou que houvesse substâncias tóxicas nos rejeitos que atingiram o rio. A denúncia afirma que dias depois, porém, uma análise do Instituto de Gestão das Águas de Minas Gerais (Igam) detectou metais pesados acima do limite legal no rio Doce, e que uma diretora da Vale reconheceu a presença dos materiais em entrevista coletiva. Na ocasião, a diretora Vania Somavilla afirmou que o rompimento da barragem pode ter trazido à superfície “alguns tipos de materiais que já estavam presentes, das origens mais diversas, mas são todos materiais presentes na natureza”.

Para a acusação, a Vale já sabia sobre a presença de metais pesados no rio, mas se recusou a compartilhar a informação com os investidores. A legislação americana sobre o mercado de capitais exige que as empresas com ações em bolsa sigam vários critérios de transparência e divulguem informações corretas ao público, sob risco de punição. As regras buscam proteger os investidores de fraudes e padronizar a relação entre empresas e acionistas.

A Vale e a Samarco têm afirmado que a lama despejada no rio Doce não carrega qualquer substância perigosa. Segundo a denúncia, a Vale também violou a legislação ao demorar a divulgar que tinha um contrato com a Samarco que lhe permitia depositar rejeitos de minério de ferro de sua mina Alegria na barragem do Fundão.

Segundo a ação, “a existência do contrato pode levantar questões sobre a potencial responsabilidade da Vale pelo acidente”, o que a tornaria mais vulnerável a processos por indenizações no Brasil.

Responsabilidade

A Vale e a BHP Billiton têm dito que a Samarco era inteiramente responsável pela gestão da barragem e, portanto, pelo rompimento. A acusação afirma ainda que os procedimentos da Vale para mitigar incidentes ambientais, de saúde e segurança eram inadequados. O advogado Phillip Kim diz acreditar que o processo deve durar entre dois e quatro anos. Por ora, o escritório tem contatado investidores afetados que queiram liderar a ação.

A Justiça escolherá um reclamante líder da ação em 5 de fevereiro. Segundo Kim, trata-se de um caso de “tamanho médio”. Ele afirma que o valor da indenização a ser reclamada será definido por especialistas independentes.

A Petrobras também enfrenta uma ação coletiva na Justiça americana por perdas causadas a investidores. Segundo a acusação, a petrolífera divulgou informações falsas sobre suas operações e omitiu denúncias de corrupção que vieram à tona com a operação Lava Jato.

O processo contra a estatal é maior que o da Vale: são réus na ação 13 ex-executivos da companhia, 15 bancos que coordenaram as emissões de papéis da empresa nos Estados Unidos, duas subsidiárias e a consultoria PwC.

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