Uma decisão inusitada, diante de um caso incomum, foi proferida pelo juiz Vinícius da Silva Pereira, da Vara Cível da Comarca de Itambacuri (região do Rio Doce), no último dia 11 de dezembro: a declaração da inexistência da morte de um homem, com a consequente anulação da certidão de óbito. A medida, observa o magistrado, fará com que o autor da ação ressurja “da morte formal para vida”, o que permitirá o restabelecimento de diversos de seus direitos.
Oliveiro Pereira da Costa entrou na Justiça com ação declaratória de inexistência de fato jurídico (para declarar que não havia morrido) e de nulidade de registro de seu óbito. Nos autos, narrou que em dezembro de 2011 foi atropelado em uma rodovia federal nas proximidades da cidade de Engenheiro Caldas (região Leste de Minas) e levado ao Hospital Municipal de Governador Valadares em estado inconsciente, na situação de morador de rua.
Em janeiro de 2012, a assistência social do hospital entrou em contato com uma entidade cuidadora de idosos, a Associação Frei Inocêncio, localizada na cidade de Pescador, que o acolheu em estado vegetativo. O homem não havia sido reclamado por familiares e, sem documentos, portando uma certidão de nascimento bastante danificada, não havia ainda sido identificado. O documento foi então recomposto, e a entidade conseguiu verificar o cartório onde havia sido lavrado o nascimento dele, providenciando uma segunda via de sua certidão.
Nos autos consta que, dias depois, um funcionário do cartório da cidade de Vila de Ataleia, na Comarca de Conselheiro Pena, ligou para a associação informando que Oliveiro da Costa constava como morto, segundo informação que haviam recebido do cartório de registro civil de Virginópolis, onde tinha sido lavrada a certidão de óbito. Segundo informações do funcionário do cartório de Vila Ataleia, o corpo de Oliveiro havia sido reconhecido, velado e enterrado por familiares.
Cenário descortinado
Dias depois desse contato telefônico, descobriu-se que a ex-companheira e filhos do homem haviam reconhecido, no Instituto Médico Legal (IML) de Governador Valadares, o corpo de outra pessoa envolvida no mesmo acidente como sendo o de Oliveiro Costa. A partir de conversa com um agente de seguros, este, de posse da declaração de óbito emitida pelo IML de Valadares, registrou o óbito do homem na cidade de Virginópolis. Segundo o segurador, a ex-companheira e uma filha de Oliveiro Costa informaram que o acidente havia ocorrido naquela cidade.
Os filhos do acidentado foram até a Associação Frei Inocêncio e ali, de fato, reconheceram Oliveiro Pereira da Costa como sendo o pai deles. Contudo, o homem se mostrou muito amedrontado durante o encontro, por isso a responsável pela entidade decidiu procurar a Polícia. Os filhos deixaram o local antes que os policiais chegassem. Em depoimento à Justiça, os envolvidos confirmaram os fatos e atestaram que o homem realmente estava vivo, tendo sido enterrada outra pessoa em seu lugar. O agente segurador também foi ouvido pela Justiça.
Diante disso, o juiz Vinícius da Silva Pereira acatou o pedido do autor da ação para declarar a inexistência da morte dele e para anular sua certidão de óbito. “Pelo que se percebe dos autos, é possível que os parentes do requerente, se aproveitando da situação do acidente sofrido por ele (atropelamento) e do estado de inconsciência, tenham se aproveitado disso para tentar receber o seguro DPVAT. Os familiares teriam contado com o auxílio do agente segurador, que teria agido em parceria com uma funerária. Tanto é assim que o acidente teria ocorrido nas proximidades de Engenheiro Caldas, porém o óbito foi lavrado na cidade de Virginópolis, completamente alheia aos fatos”, afirmou o juiz.
“Ao exame de todas as provas constantes dos autos, percebe-se que o autor não morreu. Ao contrário, encontra-se vivo e no gozo de suas faculdades mentais, porém obstado de usufruir de seus direitos como cidadão, tal como tratamento de saúde pelo SUS, receber seu benefício previdenciário, etc., visto que, legalmente, encontra-se morto, fato este, a toda evidência, inexistente”, declarou o magistrado. E acrescentou: “É lamentável que, ao que tudo indica, por interesses escusos de parentes do requerente, este tenha ficado privado dos direitos básicos de um cidadão, dependendo de uma decisão judicial”.
De TJMG