Importantes propriedades terapêuticas da fava d’anta, espécie recorrente da flora em regiões áridas do Norte do estado, levaram o Governo de Minas Gerais a investir em uma pesquisa pioneira, realizada por meio da meio da Utramig e da Associação de Múltipla Ação Social – Multiação, como o objetivo de desenvolver um amplo estudo sobre as capacidades medicinais, ecológicas, econômicas e sociais do cultivo, chegando até a entrega ao cliente final: as indústrias farmacêuticas.
Espécie de planta do Cerrado, a Dimorphandra Sp., também conhecida como fava d’anta, faveira ou favela, é o fitomedicamento com as substâncias naturais rutina, quercetina, ramnose, galactomananos e flavonoides, pioneiro das exportações do setor de medicamentos com ativos naturais pelo Brasil.
Entre as 77 plantas medicinais do Cerrado catalogadas pela equipe responsável pelos estudos, a fava d’anta, é a que mais se destaca, de acordo com o professor e pesquisador da Fundação de Educação para o Trabalho de Minas Gerais (Utramig), à frente da pesquisa, Fernando Madeira.
Suas árvores têm de três a oito metros de altura com copa densa e casca que se fragmenta em pedaços pequenos e irregulares. O período entre o nascimento e crescimento da muda até o ponto de colheita leva em média três anos.
O cultivo da fava possibilita a criação de microclimas, a sustentabilidade ecológica dos locais de cultivo e um alto rendimento econômico pelas suas substâncias. Elas possuem potenciais terapêuticos e curativos no tratamento de doenças circulatórias, oftalmológicas, dentárias, cirurgia, dermatologia e nutrição, entre outros. São utilizadas para a produção de remédios, cosméticos e alimentos.
“Conservar e ampliar sua produção é fundamental para recuperação de áreas desertificadas por exercer o trabalho de nutrir e irrigar o solo, favorecendo a sustentabilidade da colheita e preparando o solo para cultivos de plantas companheiras e sucessoras. O cultivo da planta medicinal também possui uma das melhores taxas de retorno financeiro do mercado. No âmbito social, devemos ressaltar os avanços para a cadeia produtiva, além da melhoria na condição de vida de centenas de famílias produtoras rurais”
Fernando Madeira, professor e pesquisador da Utramig
A identificação dos princípios ativos da planta, a qualificação e profissionalização de agentes rurais para o cultivo, manejo, secagem colheita do fruto e a consequente ampliação da cadeia produtiva da faveira aumentam a geração de emprego e renda aos produtores. Hoje, o cenário é promissor.
A pesquisa favoreceu um aumento econômico da renda em cerca de 750% em cada tonelada do produto, sendo comercializada hoje a R$ 1,64 frente aos R$ 0,20 anteriormente. É o resultado da ampliação da produção de 24 toneladas para cerca de 980 toneladas anuais, com todo o benefício final transferido diretamente às famílias, que passaram a realizar outros trabalhos no arranjo produtivo.
O projeto já qualificou mais de 1.600 famílias e, hoje, conta com cerca de 400 famílias certificadas que produzem e comercializam os frutos da favela e se mantêm no grupo de produtores agroextrativistas, segundo as boas práticas de monitoramento no campo e nas indústrias.
A pesquisa, iniciada em 1999 e colocada em prática em 2004, teve a motivação inicial da observação da extração dem áreas do Cerrado, onde várias famílias vinham coletando o fruto para envio às indústrias farmacêuticas sem o conhecimento de suas funcionalidades fitomedicamentosas e a aplicação do cliente final.
A iniciativa engloba a parceria em rede com diversas instituições do Estado além da Utramig, como a Associação de Múltipla Ação Social/Multiação, através da organização e articulação social, o Instituto de Geoinformação e Tecnologia/IGTEC, com a assistência tecnológica, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na área de estudos e na formação de pessoal, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), na área de manejo e coleta de sementes e frutos, e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), na dispersão do conhecimento e a difusão da tecnologia, além das prefeituras municipais.
Colhendo a fava d’anta
Nesse cenário promissor tanto para produtores, como investidores e o consumidor final, na primeira etapa do projeto foi desenvolvida uma metodologia de coleta que não interfere no crescimento sustentável da planta.
A partir daí, a segunda etapa se ateve na capacitação de produtores para instruir e difundir o manejo adequado da plantação para uma coleta sustentável.
Os agricultores passaram a adotar requisitos fundamentais para o trabalho. Entre esses estão o diagnóstico para realizar a verificação biológica da planta a ser coletada, que consiste na identificação do ponto de maturação ideal do fruto para extrair o máximo teor do fitomedicamentos e maximizar os resultados.
O trabalhador rural Gilvan dos Reis Mendes, do município de São Francisco, no Território Norte, atua no trabalho de capacitação da coleta do fruto da faveira, secagem e comercialização e reassalta os avanços do cultivo na região após a realização da pesquisa.
“A situação econômica e social vem melhorando a qualidade de vida de cerca de 400 famílias. Antes existiam os atravessadores (pessoas que colhem e entregam às empresas por valores fora do mercado), não havia nem capacitação nem conhecimento nem controle de preço ou de preservação. Agora, com a capacitação, a fava d’anta envolve muita gente e é feita a curto prazo, entre 30 e 60 dias, e a mercadoria é entregue às empresas por um preço justo, o valor atual do mercado, valorizado após a implementação dos estudos na prática social”
Gilvan dos Reis, produtor rural e coordenador da produção da região do São Francisco
O trabalho de capacitação no campo vai de janeiro a abril e, no mês de maio, é iniciada a colheita nas margens esquerda e direita da região do rio São Francisco. A colheita dos frutos, realizadas dentro do plano de manejo e extração, vai até meados de julho.
Este ano, a previsão é de boa colheita, segundo o produtor. “Os pés de fava estão carregados após um período de uma brava seca no Cerrado. A irrigação é feita com chuva natural, o que influencia na produção e os podões que foram criados durante a pesquisa contribuem para que em seis meses a fava d’anta esteja enflorando de novo”, ilustra Reis.
O “podão”, instrumento desenvolvido para a melhor coleta do fruto, foi determinante para o manejo sustentável da espécie, sem destruir os galhos da planta, para coletar a quantidade de frutos adequada à manutenção do ecossistema. Hoje, todos os produtores qualificados utilizam essa ferramenta.
O estabelecimento do plano de manejo em cada região, através da orientação logística da coleta para que seja sustentável e socialmente inclusiva, o acompanhamento de coleta georreferenciado, para identificar onde as plantas estão localizadas, através de um monitoramento especializado para cada lote de produção, consolidaram a pesquisa.
A seleção dos frutos e o processo de secagem, que leva de oito a 12 dias, permite um armazenamento de até cinco anos do fruto. Feito o armazenamento, em condições controladas, é iniciado o trabalho de entrega nas indústrias farmacêuticas.
Usos medicinais
Além dos nomes típicos fava d’anta, faveira e favela, em alguns locais a planta é conhecida como faveiro-do-campo, falso-barbatimão, barbatimão-de-folha-miúda, angiquinho, cinzeiro, angelim, canafístula, enche-cangalha.
O fruto, do tipo vagem, de polpa amarelada, carnoso, duro, marrom-vinoso e achatado, quando partido exala odor semelhante ao do chocolate. Seu uso medicinal envolve uma extensão na medicina interna, oftalmologia, cirurgia e odontologia, além de cosméticos e alimentos.
Na linha de fitomedicamentos é utilizada no tratamento de doenças circulatórias, como varizes, hemorroidas, circulações periféricas, problemas típicos no Brasil, mas também no resto do mundo, e a administração de flavonoides é recomendada. Chás, comprimidos, farinhas, gomas e a administração em alimentos diretamente pode ser feita – a depender da necessidade médica.
No uso medicinal interno, a rutina tem sido empregada com êxito contra diferentes tipos de hemorragias como as pulmonares, as intestinais provocadas por colite, nasais e gengivais. Em casos cirúrgicos, exerce influência sobre as hemorragias produzidas no tratamento profilático de trombose “dicumarol”, bem como as originadas por irradiação.
Na oftalmologia, a rutina é recomendada quando há tendência a hemorragias retinais e nos casos de hemorragias do corpo vítreo, subconjutivas e pós-operatórias. Na odontologia, é administrada como medida profilática em pacientes com suspeita de diabete hemorrágica elevada.
Na linha cosmética, os princípios ativos da faveira trazem benefícios na redução de acnes, alívio de olheiras, hidratante. Podem ser também veículo de administração de outras substâncias que fazem bem à pele, como o colágeno, facilitando a absorção de outras substâncias benéficas aos tratamentos estéticos e cosméticos.
Além da rutina e da quercetina, da fava d’anta extrai-se também a ramnose, um aditivo alimentar utilizado pelas indústrias alimentícias como aromatizante.
Qualidade de vida e expansão econômica
A produção de fava d’anta trouxe inúmeros benefícios e, entre eles, no âmbito social destaca-se notavelmente a melhoria da qualidade de vida das pessoas que se encarregam do manejo da faveira.
De acordo com o professor e pesquisador da Utramig, Fernando Madeira, isso se justifica pela colheita que ocorre entre janeiro e agosto.
“Esse é o período mais difícil em relação ao agroextrativismo na região Norte de Minas Gerais, pois é um período de baixa produção natural ”, pondera.
A partir do segundo semestre, quando o clima favorece as demais produções, a faveira já está colhida e armazenada e os produtores podem investir em outros manejos também rentáveis. No âmbito econômico, com o plantio, o que se tem observado é a possibilidade de manter o agroextrativista no campo, com conforto e segurança.
Tendência mundial
Agregar valor aos produtos naturais do Cerrado é outro benefício para o crescimento econômico da comercialização. No exterior existem mais de 500 produtos derivados da faveira, desde cremes, pomadas, xampus, aditivos, conservantes, medicamentos e outros materiais inovadores, favorecendo uma tendência cultural do uso de medicamentos naturais, sem contraindicações, que está começando a ser absorvida pelo Brasil.
“A grande importância desta pesquisa é dar sustentabilidade a toda a cadeia produtiva da fava d’anta, desde o produtor rural até as grandes indústrias, e conservar o Cerrado. Esses dois grandes pilares motivam a busca por novas técnicas de manejo, de extração de princípios ativos e transformação destes em produtos mais nobres, como medicamentos, cremes e outras aplicações na área de novos materiais”, diz Madeira.
As empresas estão vendo no mercado oportunidades de negócios neste cenário onde o uso de produtos cosméticos e fito-medicinais é crescente. A dispersão desse conhecimento, segundo Madeira, vai “automaticamente gerar mais interessados em investir, pois esse mercado é muito promissor”.
Com a ampliação das pesquisas e resultados, o planejamento do Governo de Minas Gerais é criar um Centro de Referência de Plantas do Cerrado para que seja implantado um espaço de encontro e discussão entre todos os agentes da cadeia produtiva da fava d’anta e outros frutos do Cerrado: desde o agroextrativista até os empresários dos setores alimentício, cosmético, novos materiais e farmacêutico.
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