A venda casada, prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (Artigo 39 do CDC), vem sendo frequentemente associada ao financiamento de veículos no Brasil, alerta a Associação Brasileira de Defesa dos Clientes e Consumidores de Operações Financeiras e Bancárias (ABRADEB). O procedimento ocorre quando o consumidor é compelido a adquirir um produto ou serviço adicional ao principal, como seguro, cartão de crédito ou até mesmo planos de manutenção, como condição para aprovação do crédito para a compra do veículo. Nesses casos, além de ser uma prática ilegal, o consumidor tem o direito à devolução em dobro dos valores pagos indevidamente.
Financiamento de veículos e venda casada: explorando a vulnerabilidade econômica do consumidor no Brasil
No Brasil, uma grande maioria dos veículos, aproximadamente 70%, são adquiridos por meio de financiamento, devido à falta de poder de compra para transações à vista, especialmente no setor automotivo. Estudos recentes apontam que, de cada dez automóveis adquiridos, cerca de sete são comprados por meio de financiamento. Esses dados, provenientes da B3, mostraram que apenas no período de janeiro a julho de 2022, as vendas financiadas de carros atingiram cerca de 3 milhões de unidades.
Além disso, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), 79% das famílias estão endividadas, evidenciando que essa realidade afeta cerca de 8 em cada 10 lares no Brasil. Isso tem um impacto direto no poder de compra das famílias e reduz a capacidade de barganha para efetuar uma compra à vista, algo que apenas uma pequena parcela da população economicamente ativa pode se dar ao luxo.
Diante deste contexto econômico restritivo, o consumidor tem poucas alternativas além de optar pelo financiamento ao adquirir um bem de consumo tão significativo quanto o carro, que pode ser usado tanto para trabalho quanto para lazer. O financiamento, porém, vem muitas vezes acompanhado da prática de venda casada, sendo a aprovação do crédito está condicionada à aquisição de seguros ou outros produtos e serviços adicionais, o que, portanto, gera encargos financeiros excessivos e desnecessários, culminando em altos índices de inadimplência.
Essa condição impõe uma camada extra de dificuldade e exploração sobre os consumidores que já estão em uma posição econômica vulnerável, o que ressalta a importância de políticas mais robustas e ações de conscientização para proteger os direitos dos consumidores nesse aspecto crucial.
Entendendo a venda casada
A venda casada, explicitamente proibida pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), veda aos fornecedores a prática de condicionar a oferta de um produto ou serviço à aquisição de outro. Apesar de ilegal, essa prática persiste no setor automotivo, onde frequentemente se informa aos clientes que a aprovação de seu financiamento está atrelada à contratação de seguros ou serviços adicionais.
Além da imposição de um seguro prestamista, a venda casada pode envolver a obrigatoriedade de escolher uma seguradora especificamente indicada pela instituição financeira. Portanto, a prática pode manifestar-se de várias maneiras:
(i) o consumidor pode não estar ciente de que um seguro foi incluído em seu contrato, ou não ter acesso a informações relevantes sobre o mesmo;
(ii) pode desconhecer que a contratação do seguro prestamista não é obrigatória para o financiamento do veículo; e
(iii) pode ser privado da liberdade de escolher uma seguradora que melhor atenda às suas necessidades.
Devolução em dobro: proteção ampliada ao consumidor em casos de venda casada
Nos casos em que consumidores são vítimas de venda casada ao contratar financiamentos veiculares, a busca pela compensação dos prejuízos materiais se torna uma prioridade. A venda casada, além de impor encargos financeiros indevidos, compromete a confiança nas relações comerciais. Quando um cliente é obrigado a adquirir produtos ou serviços adicionais para obter o financiamento, ele sofre uma perda econômica que deve ser compensada.
Em 2021, um marco jurídico trouxe uma interpretação significativa sobre a devolução dos valores pagos indevidamente em situações de venda casada. De acordo com essa decisão, independentemente de comprovação de má-fé por parte do fornecedor, é devida a restituição em dobro dos valores pagos de forma irregular. Isso significa que o consumidor tem o direito de receber em dobro o valor que foi indevidamente cobrado, incluindo custos de seguros, serviços adicionais ou qualquer outra cobrança condicionada à obtenção do financiamento.
Essa decisão reforça a proteção ao consumidor, que, além de recuperar o valor pago indevidamente, ainda é indenizado pela violação de seus direitos. É uma forma de desestimular práticas abusivas e promover a justiça no mercado de consumo, garantindo que as instituições financeiras e fornecedores sejam responsabilizados por condutas contrárias à lei e à ética comercial.
Estratégias para o Consumidor
Os consumidores precisam estar vigilantes e exigir transparência durante o processo de financiamento. É essencial questionar e recusar ofertas que pareçam condicionais a outros produtos ou serviços. Além disso, a ABRADEB recomenda que os consumidores:
- Solicitem detalhamento escrito de todos os custos associados ao financiamento.
- Comparem diferentes ofertas de financiamento sem produtos adicionais.
- Denunciem práticas suspeitas aos órgãos competentes, incluindo a própria ABRADEB e o Procon.
A luta contra a venda casada no financiamento de veículos é crucial para assegurar a justiça e a equidade no mercado de consumo. Com informação e ação coordenada, consumidores e entidades reguladoras podem juntos eliminar essa prática abusiva, promovendo um ambiente de negócios mais justo e transparente.
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