Com texto de Franz Kafka, o conto “Relatório para uma Academia” que uniu novamente o diretor Eid Ribeiro e o ator Kimura Schetino em um processo de criação teatral, retorna à Belo Horizonte para curta temporada, nos dias 17 e 18 de junho, com entrada gratuita no espaço Casa do Beco. A obra apresenta a história de um ex-macaco, convidado por uma Academia, a relatar o incrível processo de transformação pelo qual passou durante cinco anos até tornar-se humano. O autor de clássicos como “A Metamorfose” sintetiza nesta narrativa – adaptada para o palco por Eid Ribeiro – temas como evolução, condicionamento, adestramento, colonialismo e a própria condição do humano.
Para compor o personagem, encenador e ator optaram pelo minimalismo dos efeitos no palco e pela contenção dos gestos, procurando ressaltar a condição de aprisionamento criada por Kafka em sua literatura, além de valorizar o trabalho do ator com o texto. Um desafio para Kimura, que tornou-se reconhecido justamente por sua atuação performática em cena. “Sempre achei o Kimura difícil de ser ‘domado’; ele é como um selvagem. E conduzir a palavra, neste caso, demandava um domínio do tempo, do espaço, dos sentidos”, explica Eid Ribeiro.
A direção também economiza nas intervenções, apenas insinuando referências ao teatro de variedades e a Charles Chaplin. Kimura Schetino não cai na caricatura da recriação do animal em sua composição, trabalhando com a quase ausência de movimentos, apenas com sutis balanços pendulares remetendo ao navio e ao trapézio que são citados no conto. “Há uma semelhança corporal, mas sem enfatizar isso, tentando remeter mais a uma atmosfera ancestral”, afirma Eid.
O monólogo “Relatório para uma Academia” estreou em junho de 2014 em Belo Horizonte e ficou em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil por um mês. Em agosto de 2015 foi realizada uma nova temporada na capital mineira graças ao Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2014, na categoria Circulação. Depois o espetáculo seguiu para o interior de Minas Gerais, com apresentações nas cidades de Diamantina, Tiradentes e Mariana. Em 2016, a peça abriu a temporada em Vitória no Espírito Santo.
O reencontro de Eid e Kimura
Os mineiros Eid Ribeiro e Kimura Schetino tiveram uma longa e bem-sucedida parceria. Juntos, marcaram uma maneira de se fazer teatro em Belo Horizonte, criando trabalhos memoráveis entre as décadas de 1970 e 1980, entre eles, “Risos e Facadas” (1976), “Cigarro Souza Câncer” (1977), “Delito Carnal” (1979) e “As Criadas” (1980). Mais que um novo trabalho da dupla, a estreia de “Relatório para uma Academia” apresenta, para toda uma geração, a experiência de ter em seu próprio repertório teatral uma obra que é fruto de um dos encontros mais criativos da história do teatro mineiro.
“Eu ficava sempre muito impressionado com o Eid. E foi justamente com ‘As Criadas’, em que ele achava que eu parecia com o dramaturgo francês Jean Genet e tinha que fazer a madame, que me levou a ser conhecido como um ator que tinha algo diferente”, recorda Kimura que, desde então, dedicou-se a trabalhos no teatro, na TV e no cinema, entre eles os filmes “A Dança dos Bonecos” e “Uma Onda no Ar”, ambos de Helvécio Ratton.
Apesar de nunca ter interrompido sua relação com os palcos, Kimura enxerga “Relatório para uma Academia” como uma espécie de retomada da sua trajetória teatral. “Essa oportunidade de voltar a trabalhar com o Eid para mim é um resgate do teatro que se fazia em Belo Horizonte nos anos 1970, de muito boa qualidade, de resistência”, completa o ator.
A escolha do texto
Levar para o teatro um texto de Franz Kafka sempre foi um desejo do diretor mineiro, realizado agora com a montagem de “Um Relatório para uma Academia”. Quatro anos atrás, ele deu de presente a Kimura um livro contendo o conto, na certeza de que, um dia, conseguiriam realizar o projeto de montá-lo. “O Kafka faz parte de um rol de autores – como Samuel Beckett, Jean Genet, Frank Wedekind, Nelson Rodrigues – que propõem um teatro mais fora do realismo, mais louco, perturbador”, opina Eid Ribeiro.
A temática da transformação do macaco em humano, de deixar de ser o que se era, é algo que fascina o encenador. “Por conta da grande pergunta acerca da nossa origem, do início das espécies, do lugar – ou não-lugar – do homem no planeta. O homem se comporta quase como uma doença, gerando a barbárie, a guerra, o extermínio, o estupro. O humano, nesse caso, é que assume a faceta do irracional, tornando-se ele o verdadeiro animal”, compara o diretor.
SERVIÇO
“Relatório para uma Academia”, com Kimura Schetino – Direção Eid Ribeiro
Datas: 17 e 18 de junho
Horários: sexta e sábado às 20h
Local: Casa do Beco (Av. Artur Bernardes, 3876 – Barragem Santa Lúcia)
Ingressos: retirada de ingressos com uma hora de antecedência na bilheteria – sujeito à lotação da sala.
Informações: (31) 3297-1455
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