As favelas também oferecem sabores que dão vida à cozinha de Minas Gerais. Nas comunidades, seja na porta de uma casa ou em muitas de suas esquinas, exala o cheiro bom dos temperos peculiares, que bailam nas panelas e nos pratos ricos em criatividade e histórias de gente que empreende e surpreende, como a Cristina Barbosa e o esposo, José Marcio Duarte.
Proprietários do restaurante “O Fundo do Bar”, no Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, o casal deu início à trajetória comercial servindo tira-gosto nos fundos do bar do pai da Cristina, o “seu” Crescêncio. “Daí o nome do restaurante, criado depois de dois anos trabalhando com petiscos e ouvindo o pedido dos clientes para servir outras refeições”, recorda Cristina.
O prato do dia é referência para quem almoça em bares e restaurantes nas comunidades, entre eles estão sabores bem conhecidos pelos mineiros, como o feijão tropeiro e a feijoada, mas o prato inscrito pelo casal no Circuito Gastronômico de Favelas foi a mistura saborosa da costelinha de porco com ora-pro-nóbis e angu.
Com apoio do Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), o Circuito Gastronômico de Favelas (#RangoNaFavela) foi criado para consolidar e difundir a identidade gastronômica como patrimônio imaterial das comunidades.
O projeto, idealizado pela ‘Casulo Cultura’, entidade que atua na área de projetos culturais e eventos, reforça o potencial para a geração de renda, por meio da valorização e do intercâmbio de conhecimentos das comunidades, e contribui para o desenvolvimento econômico dessas comunidades, além de dar publicidade aos sabores ali produzidos.
A proposta nasceu no bairro onde moram a Cristina e o José Márcio, quando em meio às atividades que desenvolvia, a diretora executiva da ‘Casulo Cultura’, Danusa Carvalho, passou a fazer suas refeições na própria comunidade.
“Não foram só os pratos que chamaram atenção, a vontade das pessoas em trabalhar, em dar mais qualidade aos produtos e garantir a continuidade das atividades comerciais inspirou nossa proposta para uma atividade que desse reconhecimento à produção gastronômica das favelas”, afirma Danusa.
Com a participação no projeto, Cristina espera tornar o restaurante do Alto Vera Cruz mais conhecido e ampliar a média diária de refeições servidas, hoje entre 40 e 50 pratos. “Além da troca de conhecimento com os participantes, espero dar maior visibilidade ao restaurante, para que outras pessoas venham ao nosso bairro conhecer esse e outros pratos”, comenta.
Em sua primeira edição, o Circuito reúne 32 atores gastronômicos, entre donos de pequenos restaurantes, bares, boleiros e donas de casa que já trabalham, ou que pretendem trabalhar, com gastronomia, moradores de favelas em Belo Horizonte (Alto Vera Cruz, Morro das Pedras, Barragem Santa Lúcia e Serra), Contagem (Vila São Vicente) e Betim (Jardim Teresópolis).
O Servas é uma das instituições-membro do grupo gestor do Programa +Gastronomia, que tem por objetivo transformar, por meio de ação parceira do Governo com a sociedade, a gastronomia em eixo de desenvolvimento do estado, gerando emprego, renda e riqueza para o povo mineiro. Um dos escopos de atuação do projeto é na chamada Gastronomia Social.
Essa ação já está em desenvolvimento pelo Servas na realização do projeto Cozinha Inteligente, curso de formação em auxiliar de cozinha, que tem como diferencial o reaproveitamento total de alimentos e redução de desperdício na cozinha.
Essas técnicas serão inseridas nas atividades de formação a serem ofertadas pelos produtores do Circuito Gastronômico de Favelas a seus participantes.
“A gastronomia mineira só tem a ganhar com a realização de eventos com o perfil do Circuito Gastronômico de Favelas, pois cria oportunidades para ações com foco na Gastronomia Social caminho novo para o empreendedorismo, a geração de renda e a cidadania nas comunidades”, garante o diretor de Investimento Social do Servas, Rodrigo Fernandes.
Geração de renda e empreendedorismo
O Circuito Gastronômico de Favelas permite um novo olhar sobre produtos às vezes tidos como pouco nobres e evidenciam a criatividade destes cozinheiros no uso de iguarias como língua de boi, carne de segunda, talos e os escondidinhos que dão nobreza aos sabores combinados e apreciados nas comunidades.
O #RangoDeFavela reforça a gastronomia como opção de trabalho e de geração de renda para as pessoas nas comunidades. A dinâmica de trabalho reforça os cuidados na manipulação dos ingredientes e uma produção mais eficiente, o que pode garantir o atendimento a um público maior.
“Se uma dona de casa vende 20 marmitas hoje, com o aprendizado adquirido durante a capacitação ela poderá vir a ampliar sua capacidade de produção, melhorar seu produto e passar, por exemplo, a vender 10, 20 marmitas a mais”, avalia Fernandes.
Para o representante do Servas, o Circuito Gastronômico de Favelas é uma iniciativa muito importante, pois poderá gerar impactos diretos e positivos na vida e nas finanças destas famílias.
Os produtores do Circuito Gastronômico de Favelas estão amadurecendo propostas e dialogando com os participantes. Entre elas, existe a demanda de transformar essa iniciativa em um produto turístico, no qual os moradores serão os responsáveis, protagonistas, para levar o turista para dentro das comunidades, e lá revelar os sabores já tão comuns aos seus paladares.
#RangoNaFavela
Após a mobilização de atores gastronômicos nas comunidades envolvidas, o projeto teve início com apresentação dos pratos para chefs de cozinha, cozinheiros, nutricionistas e produtores culturais, no dia 29 de junho, no Restaurante e Marmitaria Família Daniel, no Centro da capital mineira.
O evento abriu o período de capacitação para os atores gastronômicos. Eles vão participar duas vezes por semana, até o dia 31 de julho, de aulas teóricas e práticas sobre manipulação de alimentos, a partir do manual de boas práticas da Anvisa, uso completo do alimento e redução de desperdício, conservação de alimentos e controle de estoque e armazenagem.
O chef Eudes Japoline vai abordar, além das técnicas relacionadas à cozinha, técnicas empreendedoras, noções de marketing em gastronomia e percepções para a melhor apresentação e organização dos pratos.
“São pessoas simples que demonstram curiosidade e determinação no preparo de suas receitas. Elas estão abertas para o algo a mais e nos encontros buscam qualificar o que já é muito bom nas cozinhas e em seus comércios”, garante Japoline.
Ao avaliar os encontros para capacitação, Cristina considera interessante o modo como o chef Eudes tem abordado os cuidados com o preparo dos alimentos. “O chef é claro ao apresentar as novidades do mercado e atencioso com as dúvidas dos participantes, ele otimiza aquele cuidado que vivencio todos os dias na cozinha do restaurante há dez anos”, reforça.
O caminho está aberto para a nova etapa na atividade comercial dos 32 atores que participam do Circuito Gastronômico de Favelas. “Vamos acompanhá-los, por um período, na elaboração de orçamentos e no acerto de novos contratos de prestação de serviço”, afirma Danusa.
Os pratos serão apresentados em eventos locais, nas comunidades, entre os dias 5 de agosto e 10 de setembro, e em um evento de encerramento, no qual os participantes irão receber o selo de participação no Circuito Gastronômico de Favelas, na Praça da Estação, nos dias 16 e 17 de setembro.
Confira as atividades do Circuito no site do projeto www.circuitogastronomicodefavelas.com e, enquanto não chega o dia de saborear todas as receitas, saiba como preparar a Costelinha com Ora-pro-nóbis e Angu do restaurante “O Fundo do Bar”, da Cristina.