O diretor de Planejamento, afastado, da mineradora Vale, Lúcio Flavo Gallon Cavalli, afirmou que a troca de e-mails entre técnicos da empresa sobre segurança da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, que se rompeu em 25 de janeiro, inha como motivação a estratégia de lavrar e reaproveitar os rejeitos. O executivo foi ouvido nesta quarta-feira (4/7/19), na condição de investigado, pela Comissão Parlamentar de Inquério (CPI) da Barragem de Brumadinho, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O rompimento matou ao menos 247 pessoas. Outras 23 estão desaparecidas.
Na opinião do relator da CPI, deputado André Quintão (PT), a informação deixa claro o interesse estritamente econômico da empresa e a negligência com as vidas ameaçadas pela estrutura. “O que a Vale estava tentando fazer não era para aumentar o fator de segurança, era para remineração”, declarou o parlamentar.
Por outro lado, André Quintão afirmou que existem elementos comprobatórios de que a preocupação era também com indícios de instabilidade da barragem. A conversa dos funcionários da Vale foi registrada em outubro do ano passado, após o Painel de Especialistas para o Gerenciamento de Segurança e Risco de Estruturas Geotécnicas (Piesem), que apresentou algumas recomendações de monitoramento da estrutura.
As mensagens, segundo o deputado, reportavam a necessidade de fiscalização de campo para definir medidas de reforço de segurança, “a fim de reduzir o risco atual”. Ele lembrou que o licenciamento para o descomissionamento (esvaziamento) da barragem só foi concedido em 11 de dezembro e questionou a preocupação com uma situação que, então, era hipotética.
Essa motivação, para André Quintão, agrava a percepção de negligência da Vale. “Então não era porque as leituras dos radares ou as recomendações da Tüv Süd (auditora que atestou a estabilidade) mostraram anomalias, ou seja, são só questões econômicas”, provocou. Cavalli não respondeu ao questionamento.
Executivos repetem tese de que não havia indícios de perigo
Antes de Lúcio Cavalli, a CPI ouviu, também como investigado, o então diretor de Operações do Corredor Sudeste da Vale, Silmar Silva. Tanto ele como Lúcio negaram ter tido conhecimento prévio de indicadores relativos a riscos na segurança da barragem.
Ao longo de seu depoimento de quase duas horas, Cavalli se absteve de responsabilidade sobre a tragédia, alegando que sua diretoria era responsável pelos contratos das auditoras e não se envolvia com questões técnicas. Em vários momentos, disse que não tinha conhecimento dos riscos da barragem e não tinha acesso aos conteúdos dos laudos. Afirmou que era informado dos laudos emitidos e reportava ao diretor de Ferrosos e Carvão, Gerd Peter Poppinga.
Os dois executivos negaram saber dos alertas de movimentações da barragem, captadas por radares, e de distorções nas leituras dos piezômetros, equipamentos que medem a pressão dos líquidos no interior da estrutura. Só admitiram saber sobre o rompimento do 15º dreno horizontal profundo (DHP), em junho de 2018 – que provocou uma fratura hidráulica na barragem – e sobre a solução do problema.
O diretor de Planejamento repetiu, como outros executivos ouvidos anteriormente, que não havia sinais de instabilidade da barragem. Segundo ele, a estrutura foi visitada por especialistas internacionais que não detectaram problemas. “Estamos debruçados sobre a questão para entender o que aconteceu”, afirmou Lúcio Cavalli.
Em seu depoimento, por muitas vezes estendeu as respostas, segundo ele mesmo, para “contextualizar” a questão. A atitude irritou o deputado Sargento Rodrigues (PTB). “É uma estratégia para não responder a pergunta”, afirmou o parlamentar.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) criticou a simulação de autossalvamento citada por Cavalli. Segundo ela, no treinamento não foi usada a sirene de verdade e, sim, uma buzina usada em festas de carnaval. “Se ela tivesse tocado, eles (as vítimas) não identificariam o som”, disse.
André Quintão também rebateu o executivo sobre a afirmação de que o fator de segurança de 1,3 era uma meta da empresa. O indicador, de acordo com o parlamentar, era preconizado pela própria empresa como o mínimo que deveria ser alcançado. O relatório de estabilidade verificou 1,09, portanto abaixo do considerado seguro.
Diretor operacional também se exime
Engenheiro de minas que esteve à frente de gerências de geotecnica da empresa até o rompimento da barragem B1, o então diretor de Operações Silmar Silva também respondeu a quase todas as perguntas feitas pelos deputados, alegando que não estava nas atribuições de seu cargo descer a detalhes, segundo ele técnicos, relativos à segurança da barragem.
O argumento foi rechaçado por deputados da comissão, que consideraram evasivas as respostas do diretor, até mesmo pelas atribuições do cargo expostas por Silmar, que atuou na Vale por 23 anos.
Como diretor de Operações, estavam sob sua direção operacional quatro complexos da Vale: Itabira, Mariana (onde ocorreu o rompimento da Barragem de Fundão, em 2015), Várzea Grande e Paraopeba, esta última incluindo a barragem que se rompeu em Brumadinho.
Por isso, deputados estranharam quando Silmar também negou ter sido informado de antemão sobre falhas identificadas na leitura dos piezômetros e na identificação de deformação na barragem, apontada pelo radar de monitoramento, antes do rompimento.
Sobre o rompimento do dreno em 2018, Silmar afirmou que um documento apontava que inspeção de campo teria mostrado que não foram observados sinais de anormalidade e que uma instabilidade possível teria sido decorrente apenas da perfuração do equipamento, sem maiores impactos.“Dei o assunto por resolvido com esse respaldo”, disse ele.
A previsão era de que 30 drenos fossem utilizados para retirar a água do interior da barragem, mas a operação foi suspensa.
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