A arte de Gustavo e Otavio Pandolfo, mais conhecidos como OSGEMEOS, faz parte do nosso dia a dia. Ela pode estar num muro da rua – e ter uma vida efêmera, sobrevivendo até que alguém decida passar uma tinta na parede –, na pintura de um avião, na lateral de um prédio de uma cidade qualquer do mundo ou dentro de um museu.
O traço e a combinação de técnicas inconfundíveis não são privilégio, hoje, do público brasileiro – a obra dos irmãos nascidos em 1974 está difundida mundialmente. Mas, de 22 de fevereiro de 2023 a 22 de maio de 2023, Belo Horizonte receberá uma reunião especial das obras da dupla, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB BH), que realiza a primeira exposição dos artistas em solo mineiro, com patrocínio do Banco do Brasil.
A mostra OSGEMEOS: Nossos segredos, com curadoria dos próprios irmãos, reúne quase mil itens e foi escolhida pelo CCBB por conta do ineditismo da dupla no estado de Minas Gerais. A exposição – que atraiu mais de 830 mil visitantes no Rio de Janeiro, entre outubro de 2022 e janeiro deste ano – reúne características pensadas para Belo Horizonte, como a configuração renovada de Templo e de Gigante, adaptadas especialmente para o espaço do CCBB, e o módulo “Assim bordei meus sonhos”.
O núcleo não leva esse nome porque revela a aptidão dos irmãos por bordado, como pode sugerir. O espaço é dedicado para outra artista muito especial e que está intimamente ligada à trajetória d’OSGEMEOS: dona Margarida Leda Kanciukaitis Pandolfo, a mãe da dupla.
O térreo do CCBB ganhará dezenas de bordados e pinturas em que Margarida Pandolfo retrata memórias, emoções e pensamentos de maneira lúdica e reflexiva, inclusive com trabalhos de outros companheiros da arte: o professor de pintura e a irmã Verônica. A sala em que a artista costuma bordar foi reproduzida na mostra.
Tradição em cidades mineiras em que a prática perpetua entre gerações, o bordado arrebatou Margarida quando ela tinha 60 anos de idade. A partir da primeira peça, nunca mais parou. Semanalmente novas figuras e cores tomam conta de sacos de batata que ela utiliza como base para os trabalhos. Obras de Margarida já foram expostos da Espanha e na Lituânia.
Universo lúdico
A mostra em Belo Horizonte é inspirada na exposição OSGEMEOS: Segredos, apresentada na Pinacoteca de São Paulo e no MON de Curitiba (PR), entre 2020 e 2022. A recente exposição dos trabalhos de Gustavo e Otavio Pandolfo apresenta uma visão generosa de um universo lúdico (Tritrez), partilhado pelos irmãos desde a infância, do qual se origina boa parte dos personagens que compõem a sua arte.
O conjunto de peças foi organizado de forma a transmitir informações e sensações sobre uma produção artística bastante peculiar. Esse universo não é perfeitamente traduzível em palavras; são janelas que se abrem para outro mundo, com telas, instalações e murais em espaços urbanos, que brincam com a imaginação dos visitantes, coletiva ou individualmente.
“Essa exposição coloca tudo isso junto”, afirma Gustavo Pandolfo. “Um desenho num papel pode virar um avião inteiro, pintado com muitas tintas e sobre um fundo totalmente diferente, com técnicas distintas para produzir um efeito que nos caracteriza e que é parte de nosso processo criativo”, explica ele. “Gostamos de trabalhar com múltiplos suportes e materiais variados.”
Otavio, por sua vez, destaca peculiaridades da arte que cria com o irmão. “Nossa caligrafia e nossos desenhos contam a história de nossos lugares: de onde viemos, como nos formamos…”. Ele explica ainda que muitos dos desenhos que serão apresentados em OSGEMEOS: Nossos segredos funcionam como uma espécie de templo: “É onde a gente se encontra em paz, em harmonia, vinculados à família e aos amigos, e, sobretudo, ao que a gente mais acredita”, revela. “Este é o alicerce do nosso trabalho”, conclui Otavio.
Vale lembrar que uma das atrações da nova exposição dialoga, em versão 3D, com as experiências caligráficas: trata-se de uma estante com o formato das letras que compõem o nome da dupla, em escala humana.
Trajetória e técnicas
O trabalho de Gustavo e Otavio ganhou destaque quando os artistas começaram, no início de 1990, a produzir diversos tipos de arte, com destaque para os grafites nas laterais dos edifícios. Diversos murais criados por eles ocuparam grandes espaços em São Paulo, cidade de nascimento da dupla. OSGEMEOS partiram do bairro de Cambuci, na zona central da capital paulista, para diversas cidades e museus mundo afora.
A questão técnica é uma característica fundamental do trabalho. O domínio de diferentes formas de pintar veio da necessidade de trabalhar, desde os anos 1980, com a diversidade de suportes e, muitas vezes, com a escassez de recursos. Frequentemente precisavam combinar o uso de tintas à base de água com o spray, por exemplo. Um desenho podia ter uma parte pintada sobre madeira e outra sobre uma parede de alvenaria ou, ainda, poderia incorporar um resto de lona de feira. Também desenvolveram a técnica de contorno de traço fino com spray para poder materializar todas as ideias e detalhes que tinham em mente.
Uma curiosidade da mostra é o trabalho que fez parte de uma intervenção realizada em Nova York, em parceria com Banksy. Nele OSGEMEOS inserem um personagem em uma obra do artista britânico – famoso por seus estênceis, seu ativismo político e anonimato –, e este inclui um personagem em meio a uma tela d’OSGEMEOS. A combinação é um exemplo da mundialização das obras da dupla, que dialoga com outros artistas da vanguarda da arte feita na rua, em que o debate estético caminha lado a lado com a intervenção crítica e política.
Gigante no pátio
Outro destaque da exposição é a configuração renovada de Templo e de Gigante, obras adaptadas especialmente para o espaço do CCBB Belo Horizonte. Ambas estarão estruturadas no pátio interno, numa posição de grande destaque. Pelas galerias do CCBB, telas emprestadas de colecionadores farão parte do conjunto de peças em exposição. A mostra apresenta também projeções de imagens de obras urbanas, trabalhos que em grande parte foram apagados pelo tempo, pelo poder público ou por motivações de naturezas diversas. Há um recorte da mostra dedicado ao tema, em que serão projetados os registros fotográficos da presença efêmera dessas obras nas cidades.
Outra parte da exposição é dedicada ao registro fotográfico d’OSGEMEOS produzindo murais pelo mundo, uma novidade mesmo em relação às exposições de São Paulo e Curitiba. Estão incluídas, por exemplo, imagens dos novos murais: um no Queens, em Nova York, produzido em maio do ano passado, e outro realizado em agosto (22), em Ishinomaki, no Japão, para o Reborn Art Festival.
Múltiplas influências
Com essa exposição, o CCBB Belo Horizonte propõe um registro organizado do processo de criação d’OSGEMEOS. Desde crianças, nos anos 1980, os irmãos atuam em conjunto. Nascidos numa família que valorizava a visitação a exposições, OSGEMEOS também foram fortemente influenciados pelas séries japonesas para a TV, como o Ultraman, por animações, como as de The Wall, do Pink Floyd, ou as do filme Heavy Metal, pelas músicas eruditas que ouviam com o avô, pelos desenhos que faziam com o irmão mais velho, Arnaldo.
A partir das ruas do Cambuci (SP), um dos berços da cultura hip-hop nos anos 1980, os gêmeos conviveram com o graffiti, o rap e o break, ou seja, com a força da estética visual, da poesia, da música e da dança de rua, que foram elementos fundamentais de formação da dupla.
Essas influências deram origem tanto a personagens peculiares – que habitam as ruas em forma de graffiti –, a telas, pinturas e desenhos em papel e madeira, como a uma infinidade de objetos planos e tridimensionais que ganharam vida e cores, num estilo diverso, ao mesmo tempo popular e sofisticado.
Os irmãos costumam afirmar que nunca repetem personagens: embora perceba-se semelhanças entre as figuras humanas e os ambientes retratados, eles são únicos. Essa diversidade pode ser observada em esculturas como B-girl, personagem do mundo hip-hop, ou de uma mulher de vestido azul ou de uma cabeça de Boombox.
A exposição revela de maneira inédita os cadernos de desenho dos irmãos e apresenta ainda anotações em papéis avulsos, pinturas e esculturas que remetem à experiência espontânea de criar na rua. Segundo OSGEMEOS, foi na rua que tudo começou e é nela que eles se sentem em casa.
Circuito Liberdade
O CCBB BH é integrante do Circuito Liberdade, complexo cultural sob gestão da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), que reúne diversos espaços com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo. Trabalhando em rede, as atividades dos equipamentos parceiros ao Circuito buscam desenvolvimento humano, cultural, turístico, social e econômico, com foco na economia criativa como mecanismo de geração de emprego e renda, além da democratização e ampliação do acesso da população às atividades propostas.
Serviço
OSGEMEOS: Nossos segredos
22/02/2023 a 22/05/2023
Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte
Funcionamento: de quarta a segunda das 10h às 22h
Local: Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte – Praça da Liberdade, 450 – Funcionários
Ingressos gratuitos: disponíveis em bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB BH.
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