Passados exatos um ano da tragédia de Brumadinho (MG), o risco de falta de água na região metropolitana de Belo Horizonte é uma preocupação concreta de variados órgãos e autoridades de Minas Gerais e dos municípios ameaçados. A situação ocorre porque a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), estatal ligada ao governo mineiro, captava água no Rio Paraopeba em trecho contaminado pela lama que vazou da barragem da Vale. Para afastar os riscos, tornou-se vital a conclusão de obra acordada com a mineradora.
Iniciada em outubro do ano passado, a obra envolve a construção de uma nova adutora para captação de água do Rio Paraopeba, em um ponto antes do local onde ocorreu a contaminação. O orçamento estimado para a intervenção é de R$450 milhões. Como a conclusão e entrega da obra está prevista apenas para setembro, um baixo regime de chuvas até lá poderá trazer para o centro da discussão a necessidade de um racionamento em alguns bairros.
“Não há como descartar completamente a hipótese de racionamento. O volume de chuvas é essencial para garantir a normalidade”, informa a Defensoria Pública de Minas Gerais. A situação é acompanhada também pela Defensoria Pública da União, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Todas estas instituições integram, junto com a Copasa e a Vale, as discussões em curso na 6ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, onde foi firmado o acordo para a obra da nova adutora.
Em agosto, também foi acertada a realização de uma campanha publicitária de conscientização popular para economia de água. Ela deverá ser executada pela Copasa e os custos são de responsabilidade da mineradora. A preocupação com o desabastecimento mobilizou ainda uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, que publicou um relatório final indiciando a Vale.
A Copasa afirma que está realizando ações operacionais para garantir o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte e que demandou medidas adicionais à Vale. Entre elas, está a perfuração de novos poços artesianos para atendimento aos serviços essenciais, como escolas e hospitais, e a reativação de poços nos municípios de Santa Luzia Lagoa Santa e Vespasiano. “Outras medidas consistem na execução de obras de interligações entre os sistemas Paraopeba e Rio das Velhas – como a construção de redes, interligações e instalação de válvulas – que trarão maior flexibilidade operacional ao sistema integrado”, acrescenta a estatal.
Ao mesmo tempo em que se move para afastar um cenário de desabastecimento, a Copasa considera que é precipitado falar em racionamento nesse momento. A estatal considera baixo o risco de uma crise hídrica, desde que a obra realizada pela Vale cumpra o cronograma. A situação se tornaria mais preocupante se o volume de chuvas deste verão fosse similar ao de 2015, quando se registrou a maior estiagem dos últimos tempos na região. A captação no Rio Paraopeba teve início justamente em resposta à crise hídrica daquele ano. Com orçamento de R$128 milhões, a adutora que agora está inoperante foi construída em seis meses e inaugurada no fim de 2015, prometendo dar segurança hídrica à região metropolitana da capital mineira.
A situação, no entanto, afeta de forma desigual alguns municípios. Em setembro, a prefeitura de Paraopeba (MG) decretou estado de alerta. A medida permitiu que os órgãos dos municípios tivessem mais flexibilidade e agilidade para apoiar ações a serem empreendidas pela Vale, como a perfuração de poços artesianos e a captação em córregos da região.
A tragédia também afetou cidades não atendidas pela Copasa. Em Pará de Minas (MG), a gestão do abastecimento está a cargo da Concessionária Águas de Pará de Minas (Capam), que captava água no Rio Paraopeba. Para garantir o atendimento, a Vale iniciou em outubro as obras de uma adutora no Rio Pará, que não foi afetado. A estrutura, que deve ficar pronta em julho, terá uma vazão aproximada de 1 milhão de litros por hora, a mesma que o município captava no Rio Paraopeba antes do rompimento.
Qualidade da água
No mesmo acordo em que ficou definida a realização da campanha publicitária, também foi negociada a contratação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para elaborar pesquisas sobre a qualidade da água do Rio Paraopeba. Os custos também serão de responsabilidade da Vale.
Desde o dia da tragédia, a água do Rio Paraopeba a partir do trecho em que houve a contaminação é considerada imprópria para uso conforme constam em recomendações da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG). Tão logo tomou conhecimento do rompimento da barragem, a Copasa suspendeu a captação. O volume que era extraído do Rio Paraopeba está sendo compensado em outras três represas do Sistema Paraopeba: Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores. O fornecimento de água em parte dos locais afetados também se mantém pela captação do Rio das Velhas, que é responsável por 70% do abastecimento da capital mineira e por 49% dos demais municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A Vale afirma manter 67 pontos de monitoramento da qualidade de água que se estende por uma área de 2,6 mil quilômetros de extensão do Rio Paraopeba. De acordo com a mineradora, análises realizadas pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) mostram que níveis de mercúrio e chumbo no Rio Paraopeba, que se elevaram após a tragédia, estão agora abaixo dos limites legais. “A presença desses metais pesados foi o que levou a autarquia estadual a proibir a captação direta da água do rio. A proibição ainda se mantém como medida preventiva”, diz em nota.
A mineradora afirma ainda que atende com caminhão-pipa ou com cargas de água mineral envasada as propriedades que não possuem água encanada e que captavam diretamente no Rio Paraopeba e os usuários de poços artesianos e cisternas que estão até 100 metros de distância da calha. “Mais de 440 milhões de litros já foram entregues para consumo humano, dessedentação de animais e irrigação”, diz.
Contaminação
A organização não governamental SOS Mata Atlântica, que desde 1986 monitora o bioma considerado mais ameaçado do Brasil, contesta as afirmações da Vale e sustenta que o Rio Paraopeba está contaminado. Na última quinta-feira (23), a entidade divulgou um relatório com os resultados de uma expedição realizada com pesquisadores entre os dias 08 e 17 de janeiro de 2020. Com o objetivo de analisar os impactos do rompimento, foram percorridas 21 cidades, entre os municípios de Brumadinho e Felixlândia.
De acordo com o relatório, foram coletadas amostras em 21 pontos e os indicadores apontam que a água está imprópria e sem condições de usos. Os índices aferidos foram péssimos em nove pontos, ruim em 11 e regular em apenas um. Não houve nenhum bom ou ótimo. Além disso, em 11 pontos, foi constatada a ausência de vida aquática. A entidade aponta ainda que ferro, manganês, cobre e cromo foram encontrados em níveis muito acima dos limites fixados na legislação. Já a turbidez variou entre 5 e 13 vezes o máximo permitido. O relatório aponta ainda que falta informação aos ribeirinhos que convivem com a insegurança hídrica.
A presença de níveis de metais acima do permitido pela legislação também é citada em denúncia apresentada nesta terça-feira (21) pelo MPMG, na qual 16 pessoas são responsabilizadas criminalmente pela tragédia. A instituição afirma que, em consequência do rompimento, córregos e rios atingidos apresentam atualmente altas concentrações de arsênio, bário, cádmio, chumbo, cobalto, níquel, manganês e urânio.
De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), não há previsão para liberação do uso da água do Rio Paraopeba. “Ainda não se tem a comprovação de ausência de risco à saúde humana e animal pelo uso da água devido à deposição dos rejeitos no leito do rio, já que existe a possibilidade de revolvimento dos sedimentos em função das atividades de remoção da lama na área impactada e também em razão do período chuvoso”, diz o órgão.
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