Sob um olhar atento para as estratégias de marketing da década de 90, é fácil identificar a dinâmica entre uma marca e seu público-alvo. Materiais de comunicação tinham foco em vendas, portanto, na descrição de produtos, serviços e seus preços. A comunicação era unilateral, com papéis bem definidos e participação quase nula do consumidor.
As redes sociais surgiram e, com elas, uma nova estrutura de publicidade. Hoje, a marca vai além do produto — e precisa ir, se quiser atender às demandas de um público altamente engajado na produção de conteúdo. Se antes a audiência era passiva, hoje, ela não é apenas participativa, mas atenta, crítica e rápida.
Esse cenário fez com que o caráter comercial do marketing desse lugar a uma comunicação muito mais densa e transparente sobre a própria marca e seu propósito. O consumidor espera entender a essência e as intenções que guiam a empresa em toda a cadeia, as ações e as estratégias desta para que sua presença na sociedade tenha um impacto positivo.
Isso acontece porque o consumo, hoje, passou a ser guiado por relações. As pessoas não querem mais serem tratadas como números, o que gera uma expectativa por diálogo e por conexões transformadoras. Não basta ter um ótimo produto, é a causa e a coerência por trás dele que geram o desejo de compra, o engajamento e, consequentemente, a venda.
Por outro lado, esse novo ambiente — fortemente conduzido pelas ferramentas digitais e suas métricas — não abre espaço para oportunismo. A velocidade e o alcance das informações exigem das marcas atuações certeiras e uma comunicação totalmente alinhada à realidade. A menor falha pode colocar em risco anos de um marketing bem estruturado.
Vendas com propósito
O produto passou a ser a ponte entre o cliente e o propósito da marca. Assim, a venda é, hoje, o símbolo de um discurso que traduz atitudes concretas e uma ligação real com o público. Essa convergência entre lucro e impacto social tem sido a fórmula de sucesso — e de sobrevivência — de muitas companhias, que já se posicionam como catalisadoras de mudanças.
Um bom exemplo tem sido a estratégia da marca Dove em torno do tema beleza real. A partir de questionamentos sobre padrões de beleza impostos ao longo dos anos, bem como sobre autoestima e autoconfiança, a empresa tem inserido seus produtos em campanhas protagonizadas por mulheres “comuns”, e com mensagens de reflexão sobre amor-próprio e aparência.
Em menor escala, a marca baiana Euzaria atua, desde 2015, aliando a venda de camisetas exclusivas à oferta de aulas para jovens em situação vulnerável, em parceria com o Instituto Aliança. Além da causa social, o produto oferece uma experiência completa, pois permite que o cliente participe do movimento e deixe uma dedicatória para quem for realizar a próxima compra.
Vegana, a The Body Shop tem utilizado seus cosméticos como porta-vozes da causa. A marca defende os direitos dos animais por meio do desenvolvimento de itens de beleza aliados à campanha “Para Sempre Contra Testes em Animais”, ampliando o discurso a favor de novas formas de realizar pesquisas no segmento. A parceria com a ONG Cruelty Free também faz parte do planejamento de sustentabilidade da marca, que inclui abastecimento de lojas com energia renovável e controle de carbono até 2020.
A forma como o marketing pode impactar a sociedade e sustentar tendências foi um dos destaques do Engage for Good 2019, principal evento sobre engajamento e impacto positivo do mundo. Mais de 600 líderes discutiram novos formatos de comunicação e atuação de empresas, bem como de relacionamento com seus targets.
As discussões envolvem não só a necessidade de fazer das marcas plataformas de conexão, mas também de união entre as empresas, para dar poder às pessoas. Autopromoção tornou-se um viés ultrapassado em um momento em que o cliente tem voz em tantos canais. Empatia, diversidade e inclusão estão no centro dos negócios, e a venda pode ser uma consequência verdadeira e sustentável desse tripé.