Uma reunião técnica marcou, na manhã desta sexta-feira (6/12), a instalação, na capital mineira, da primeira caixa postal comunitária para as pessoas em situação de rua, no Brasil. A iniciativa foi gestada dentro do projeto Rua do Respeito, em parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o Vicariato da Arquidiocese de Belo Horizonte.
Instalada no local onde funciona a Pastoral de Rua de Belo Horizonte (Rua Além Paraíba, 208, no Bairro Lagoinha), a caixa postal comunitária irá garantir à população de rua um endereço postal seguro e gratuito para o recebimento de correspondência.
O juiz Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes, um dos representantes do Judiciário mineiro no projeto Rua do Respeito, explica que a ideia foi inspirada na experiência da European Federation of National Organisations Working with the Homeless (Feantsa), no âmbito da União Europeia.
“A ideia é que a caixa postal comunitária seja uma ferramenta para a reaproximação da pessoa que vive nas ruas ou nos abrigos, aqui em Belo Horizonte, com os parentes e amigos, reestabelecendo laços familiares”, explica.
Além disso, pretende-se que ela sirva como referência para emprego, permitindo, por exemplo, o envio de currículos, e seja usada como indicação de endereço para os cadastros de serviço social e estatísticas e acompanhamento médico, em tratamentos de longa duração, e psicológico.
“A ferramenta poderá também ser útil para aqueles que estão cumprindo medidas penais, além de ser um meio de recebimento de documento, como certidão de nascimento”, avalia o magistrado.
De acordo com o juiz, a participação dos Correios, que alterou o seu normativo para adaptá-lo ao projeto piloto, com o objetivo de poder reproduzi-lo no Brasil, representa ainda mais uma forma de incluir a temática da população de rua nas políticas públicas.
Projeto piloto
“Essa é uma experiência inovadora também para os Correios, mas estamos fazendo isso de coração, na expectativa de que dê certo. É um projeto que nos traz muita esperança, pois um país não tem como se desenvolver se estiver desestruturado socialmente”, observa o administrador da Gerência de Distribuição dos Correios, Júnior Aguiar da Silva.
Marianna Maciel, servidora da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), explica que o módulo da caixa postal tem 108 “caixinhas” e será gerenciado pela Pastoral de Rua, entidade que é essencial na promoção dos direitos das pessoas em situação de rua e realiza trabalho diuturno junto e em prol dessa população.
“Os moradores poderão agora, quando for solicitado endereço para correspondência, informar o número de uma das caixinhas da caixa postal, com o CEP, e saberão que receberão as cartas e outros documentos de seu interesse ali. Cada número é um endereço único”, destaca Marianna, que também representa o TJMG no Rua do Respeito.
Claudenice Rodrigues Lopes, da equipe da Pastoral de Rua, explica que o atendimento e a gestão dessas caixas provavelmente serão feitos com outros serviços que existem no vicariato, como a Acolhida Solidária, que diariamente recebe muitas pessoas em situação de rua. “Vamos pactuar e acertar tudo isso, junto às pessoas que atendemos”, explicou.
Instalada na Pastoral de Rua de Belo Horizonte, a caixa postal comunitária irá garantir à população de rua um endereço postal seguro e gratuito
Exercício de cidadania
O vigário episcopal para ação social e política da Arquidiocese de Belo Horizonte, Padre Júlio, destaca o fato de que se trata de um projeto em benefício de uma população que vive à margem da sociedade e que muitas vezes não é vista. “Por isso, esse é um momento com um significado especial, histórico”, observa.
Na avaliação do vigário, a experiência tem tudo para ser bem-sucedida, uma vez que ela foi construída por diversas cabeças, mãos e corações. “É muito bom iniciar algo sabendo que não se está sozinho. Isso dá muita força a esse projeto”, avalia.
A desembargadora Maria Luíza de Marilac, presidente do Núcleo de Voluntariado do TJMG, também se diz cheia de esperança com a iniciativa. “Sonho que esse projeto tão bonito, de inclusão social, irá para a frente, com o empenho de todos. A caixa postal é uma ferramenta que possibilitará a essas pessoas reatar laços familiares e facilitará o acesso a documentos e a empregos”, ressalta.
Os diversos parceiros do Rua do Respeito também destacam a importância do projeto. O desembargador Lailson Braga Baeta Neves, representante do TJMG no Rua do Respeito, ressalta que ele representa “um ato de prestígio à cidadania e ao estado de direito, fazendo, mais uma vez, um trabalho rumo à justiça social”.
O desembargador acrescenta que a iniciativa “retorna ao morador de rua a sua visibilidade, e é uma medida integrativa, representando mais um passo no sentido de reintegrá-lo e colocá-lo em contato com pessoas amigas e familiares de quem se afastou”.
Acesso à Justiça
A juíza auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça e integrante do Núcleo de Voluntariado do TJMG, Lívia Borba, e a juíza Cláudia Helena Batista, ambas integrantes do Rua do Respeito, ressaltam, entre outros pontos, os impactos da medida para o acesso à Justiça, já que a formalidade dos atos processuais exige a indicação de um endereço para correspondência.
Por isso, a caixa postal, como um indicativo de endereço, pode parecer algo simples e comum para a maioria das pessoas, mas tem grande impacto para quem vive nas ruas, destaca o promotor de justiça Walter Freitas de Moraes Júnior, coordenador da Rede de Voluntariado do Ministério Público.
“A caixa postal comunitária irá facilitar o exercício de diversos direitos e tornar mais simples o cumprimento de obrigações, tudo isso pela simples possibilidade de indicação do local onde a pessoa pode ser contatada. Penso que será também um instrumento para a manutenção dos vínculos, sociais e familiares”, observou o promotor.
O defensor público federal João Márcio Simões, atualmente defensor regional de direitos humanos, que considera a iniciativa “maravilhosa e libertadora para as pessoas em situação de rua”, lembra que “boa parte dos esforços por uma inclusão qualificada dessa população em programas sociais e por acesso a direitos será concretizada através de iniciativas como essa”.
not-reuniao-cxpostal-pop-rua1.jpg Os parceiros da iniciativa celebram a caixa postal como uma ferramenta para a inserção no mercado de trabalho e inclusão em programas sociais
Trabalho e futuro
Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Elaine Noronha Nacif destaca que a caixa postal é um facilitador para comunicações de todo tipo, “inclusive as de inserção no mercado de trabalho, que são tão importantes para o resgate dessas pessoas à condição de cidadania”.
Para a procuradora, é preciso “estimular as instituições públicas e privadas a acionar as populações em situação de rua para comunicar oportunidades de emprego, renda e de acesso a direitos. O Ministério Público do Trabalho certamente fará isso”, afirmou.
Gelton Pinto Coelho Filho, presidente do Instituto Corecon Cultural de Minas Gerais, ressalta que o significado do projeto da caixa postal comunitária para quem está em situação de rua “é bem maior do que a interlocução entre setores governamentais”.
“Ele é a oportunidade que a maioria das pessoas em vulnerabilidade têm de reencontrar família, amigos ou de recomeçar. A economia, como ciência social aplicada, reconhece, através de seu instituto em Minas, a importância de se estabelecerem redes e de sonhar um outro futuro possível”, conclui.
Cartas de Natal
Samuel Rodrigues, integrante do Movimento Nacional de População de Rua, exalta a iniciativa. “Nossa luta é pelo direito à moradia, pois a habitação é a grande perda para quem está nessa situação. Mas essa iniciativa de proporcionar um endereço é muito boa, ainda que comece pequena, como um projeto piloto”.
Ex-morador de rua, Samuel destaca não apenas a importância dos parceiros que estão por trás da ideia, mas também as possibilidades abertas pela ferramenta. “Estamos na época do Natal e eu já fico pensando: essas caixinhas podem agora receber cartões de Natal”, celebra.
Rua do Respeito
O Rua do Respeito é resultado de um termo de cooperação técnica assinado em maio de 2015 pelo TJMG, pelo Ministério Público e pelo Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas). A iniciativa se expandiu e hoje inclui outras instituições parceiras, como a Defensoria Pública e o Ministério Público do Trabalho.
Por meio do projeto, os órgãos buscam dar concretude e efetividade às políticas púbicas definidas para a população de rua no Decreto Nacional 7.053, de maneira a garantir a essas pessoas o mínimo existencial.
Com a iniciativa, pretende-se mobilizar, articular e integrar esforços em prol da população que vive nas ruas, viabilizando ações voltadas para a promoção do exercício da cidadania dessa comunidade.
Entre as medidas pretendidas, estão aquelas voltadas para a profissionalização, para o acesso à justiça, a proteção dos direitos, a reconstrução da vida e a inclusão social. Pretende-se também sensibilizar a sociedade para os direitos desse público.
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