As doenças cardiovasculares estão entre as principais causas de morte da população mundial. Dentre elas, a mais prevalente é a insuficiência cardíaca (IC), que atinge aproximadamente 23 milhões de pessoas no mundo. A condição é considerada, atualmente, uma epidemia. Países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre eles o Brasil, têm registrado crescimento gradativo de sua prevalência. Um dos motivos é o aumento da expectativa de vida, na medida em que a IC é encontrada, principalmente, em faixas etárias avançadas.
Essa doença crônica é um problema de saúde pública que impacta os países de maneira global, devido às altas taxas de incidência, mortalidade e hospitalização; diminuição da qualidade de vida das pessoas afetadas e de suas famílias; e repercussão negativa na economia.
De acordo com a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), entre 2018 e 2021, o sistema previdenciário do Brasil gastou mais de R$ 18 bilhões com reposição de mão de obra por conta de afastamentos do trabalho causados pela IC. Já a perda com a redução da produtividade em território nacional (em termos de serviços e bens produzidos) ultrapassou R$ 28 bilhões.
Estas questões foram discutidas no evento “Insuficiência Cardíaca e Doenças Cardiovasculares: Ações Necessárias para Prevenir e Tratar”, promovido pelo Fórum Intersetorial para Combate às Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil (FórumDCNTs) em julho. “Segundo os painelistas convidados, ações efetivas para prevenir e tratar a insuficiência cardíaca envolvem a multidisciplinaridade e a articulação entre as esferas pública e privada e o terceiro setor”, destacou Dr. Mark Barone, coordenador geral do FórumDCNTs.
Principal causa de hospitalização no SUS, a IC foi responsável por um terço das internações por doenças cardiovasculares entre 2008 e 2018. Foram mais de 2,8 milhões de hospitalizações no período. “À medida que as internações se tornam frequentes, a pessoa entra em estágios avançados e numa fase derradeira da doença”, alertou a Prof.ª Dr.ª Lídia Moura, diretora administrativa do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
A maior parte de óbitos por IC acontece nos hospitais. O Brasil apresenta taxa de 12,6% de mortalidade intra-hospitalar, extremamente alta em relação àquelas de outros países, que estão em torno de 5%. A taxa de reinternação também é elevada – em um período de até 90 dias após a alta, cerca de 50% das pessoas voltam a ser hospitalizadas.
Para evitar complicações e internações, a melhor estratégia é tratar o mais cedo possível. “Os estágios da insuficiência cardíaca são classificados por letras, de A até D, conforme o comprometimento do coração. As fases A e B são as melhores para o início da abordagem farmacológica e da atuação da equipe multidisciplinar, voltada para o desenvolvimento de hábitos saudáveis”, explicou o Prof. Dr. Luiz Bortolotto, diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP). O foco do tratamento devem ser os fatores de risco e morbidades relacionados à IC. “A maioria das pessoas da fila para transplante cardíaco não estaria nessa situação caso recebesse intervenções farmacológicas e não farmacológicas, preventivas ou precoces, para hipertensão, diabetes, doenças isquêmicas, valvopatias, obesidade, dislipidemias, entre outras condições”.
Propostas para otimizar o atendimento pelo SUS
“Mais da metade das pessoas que nos procuram menciona dificuldade em iniciar o tratamento no SUS”, afirmou Flávia Lima, presidente da Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas (ABRAF). “Após o diagnóstico, elas entram numa espécie de limbo: não conseguem a consulta com o cardiologista e nem retornar à atenção primária. Quando são finalmente atendidas na atenção especializada, parte delas permanece com dúvidas após a consulta”, relatou.
“A jornada do usuário do SUS ainda é muito sofrida”, concordou Moura. “Enquanto ele aguarda a consulta com o cardiologista, pode ser internado de forma emergencial devido a uma descompensação ou mesmo sofrer morte súbita”. A solução indicada pela médica é empoderar a atenção primária para que realize o diagnóstico e a prescrição medicamentosa. “Com um treinamento simples, o médico de saúde da família pode identificar a insuficiência cardíaca e iniciar o tratamento, enquanto a equipe multiprofissional faz abordagens não farmacológicas. Isso vai proporcionar qualidade de vida ao usuário, prevenção de hospitalizações e redução da mortalidade. Posteriormente, o cardiologista, ao atender esse indivíduo, fará mais exames e, se necessário, adequará o tratamento”.
“Estruturar a rede e implementar as linhas de cuidado são os principais desafios da gestão”, avaliou Elton Chaves, assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS). A equipe multiprofissional pode auxiliar os gestores nesse sentido, por meio do planejamento terapêutico e estabelecimento de fluxos “Orientamos a pessoa com IC em seu percurso assistencial, para que ela não fique perdida e lhe seja garantida a integralidade do cuidado”, esclareceu a Dr.ª Enilda Lara, coordenadora de projetos do Hospital do Coração (HCor) no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional (PROADI) do SUS,
Chaves frisou a relevância da participação ativa da pessoa com IC por meio do autocuidado. “O usuário deve ser preparado para tornar-se corresponsável pela própria saúde; caso contrário, os demais esforços serão em vão”. Nesse contexto, Nascimento sugeriu a atuação das equipes de medicina de trabalho. “Elas deveriam criar, em suas empresas, comunidades para prevenção e apoio por meio da Telemedicina”, propôs. “As pessoas com IC devem ter condições de atuar de maneira proativa na defesa de seus direitos. O FórumDCNTs luta para que elas tenham poder de voz e de decisão na definição de políticas públicas”, afirmou Patricia de Luca, cofundadora do FórumDCNTs e diretora executiva da Associação Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar (AHF).
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