Em pleno mês do Orgulho LGBTQIA+, uma grande parcela da população ainda nutre receios e preconceitos relacionados a pessoas que integram a comunidade. É o que se pode constatar através dos dados da pesquisa Global Advisor – LGBT+ Pride 2023, realizada pelo instituto Ipsos em mais de 30 países, com 22.514 adultos entrevistados (incluindo 1 mil brasileiros) entre os dias 17 de fevereiro e 3 de março deste ano.
Entre as principais conclusões, está a de que 51% dos brasileiros apoiam a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e outros 15% acreditam que esses casais devem ter algum tipo de reconhecimento legal, mas não o casamento. Este índice foi menor do que o apurado em outros países, como Holanda (80%), Espanha (78%), Chile (65%), África do Sul (57%) e Estados Unidos (54%); e ficou acima de apenas nove países, incluindo Turquia (20%), Cingapura (32%), Japão (38%) e Peru (41%). Houve ainda uma queda no apoio ao casamento igualitário, em relação ao índice da pesquisa anterior, em 2021, quando ele era de 55%.
O levantamento mostrou ainda que a maioria dos brasileiros aceita o direito dos LGBTs de constituírem famílias: 71% concordam que casais do mesmo sexo têm a mesma probabilidade que outros pais de criar filhos com sucesso e 69% dizem que deveriam ter os mesmos direitos de adotar crianças que os casais heterossexuais. Nos dois casos, os que discordam (totalmente ou parcialmente) somaram 22% dos entrevistados.
Para a professora e pesquisadora Daniela de Andrade Souza, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD) da Universidade Tiradentes (Unit), os dados mostram que, mesmo com o aumento da visibilidade, o preconceito contra os LGBTs permanece em parte da sociedade brasileira, por falta de políticas públicas e de legislações que garantam os direitos da comunidade.
Algumas destas garantias já existem, e surgiram por iniciativa do Judiciário. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o casamento homoafetivo igualitário, permitindo a realização dos casamentos em cartórios, a adoção de crianças pelos casais e a inclusão dos companheiros em pensões, heranças, aposentadorias e planos de saúde. Sete anos depois, o STF equiparou a homofobia aos crimes de racismo previstos na Lei Caó (7.716/1989), com penas de até 5 anos de prisão.
“O que temos em termos de direitos ainda são frutos da judicialização das demandas do movimento, ao mesmo tempo que o fenômeno neoconservador avança no Legislativo, por exemplo, refletindo um eleitorado cada vez mais conservador e evangélico”, diz ela, citando uma pesquisa feita em 2020 pelo instituto Datafolha, a qual mostra que 31% dos brasileiros se dizem evangélicos e outros 50% são católicos. Tradicionalmente, estas religiões são as que mais se opõem às pautas e reivindicações dos movimentos feministas e LGBTQIA+, fiando-se em uma ordem moral conservadora.
Pânico moral
Esta ordem, de acordo com a doutoranda da Unit, “estrutura discursos e práticas que se valem de uma retórica reacionária”, citando termos como “ideologia de gênero”, “kit gay”, e “pró-família” como forma de estratégia política. “Existe um pânico incutido na sociedade de que o casamento igualitário estaria ‘destruindo’ os valores morais cristãos, e, com isso, a chamada família tradicional baseada na heterossexualidade compulsória e no patriarcado estaria em vias de extinção. O resultado disso é uma sociedade cada vez mais intolerante e desigual, e uma democracia cada vez menos substantiva”, explica Daniela.
Um dos dados mais evocados como prova desta intolerância diz respeito à violência. Segundo o dossiê do Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, divulgado em maio, 273 crimes de ódio foram registrados no Brasil em 2022, o que dá a média de um LGBT assassinado a cada 32 horas. Desse total, 178 foram mulheres trans e travestis, mantendo o Brasil em primeiro lugar dos países que mais matam pessoas trans no mundo.
O preconceito contra os transexuais também foi medido na pesquisa da Ipsos. Mundialmente, 67% dos entrevistados dizem que as pessoas transexuais enfrentam pelo menos uma quantidade razoável de discriminação. No Brasil, essa percepção sobe para 77%, mesmo índice de entrevistados que disseram concordar que as pessoas transgênero sejam protegidas contra discriminação no emprego, moradia e acesso a negócios como restaurantes e lojas. Só que outras medidas de apoio a este público, como banheiros e ambientes exclusivos, planos de saúde e opções de registro em documentos oficiais, tiveram um apoio menor no país: entre 53% e 59%.
Daniela Andrade acredita que, para conscientizar a população sobre um maior respeito à população LGBT, é preciso um maior comprometimento governamental em produzir políticas públicas de enfrentamento efetivo da violência em razão do gênero e da sexualidade. “Não há como se falar em um Estado Democrático onde pessoas morrem em função de sua existência, onde não há distribuição igualitária de reconhecimento e direitos. Políticas de educação formal e informal sobre diversidade de gênero e sexualidade, formalização dos direitos conquistados pela via judicial, oportunidades de trabalho, acesso à justiça e à saúde são eixos a serem considerados na luta por uma agenda democrática de gênero e sexualidade”, conclui a pesquisadora.
O Dia do Orgulho
O dia 28 de junho é lembrado como o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIA+, data que marca o chamado “Levante de Stonewall”, em 1969. Foi quando os clientes do bar Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, em Nova York (EUA), protestaram contra episódios de extorsão e achaque que aconteciam durante as visitas da polícia ao local, transformando uma abordagem corriqueira em seis dias de violentos confrontos de rua.
A data passou a ser mais conhecida ao longo da década de 1970, quando as primeiras “Marchas do Orgulho Gay” saíram às ruas das principais cidades americanas e europeias, fortalecendo movimentos organizados da causa LGBTQIA+ em todo o mundo. Isso resultou em avanços importantes em questões como garantias de direitos, redução da discriminação e a própria revisão do conceito de homossexualidade, consolidada em maio de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de considerá-la como doença, retirando-a da Classificação Internacional de Doenças (CID).
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