A área rural acessada por quatro quilômetros de estrada de terra dá um ar convidativo e sereno, quebrado pelo som das grandes trancas de ferro. A música “Aleluia” na entrada e as muitas frases remetendo a Deus e perdão recebem quem visita a Apac de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde o goleiro Bruno, hoje com 31 anos, está preso há oito meses. No regime fechado, o canto do ex-futuro camisa 1 é a cama dois da cela 18 do bloco 3. Um dos 68.810 presos do estado de Minas Gerais, Bruno cumpre pena de 22 anos e três meses pela morte de Eliza Samúdio em 2010. Mas, com a progressão por dias trabalhados, a liberdade poderá ser respirada já em 2018, segundo seus cálculos. Bruno está sem advogado no momento, mas juristas consultados pela reportagem atestaram ser possível que o goleiro consiga o regime semiaberto em 2018, como o próprio almeja.
O goleiro recebeu a reportagem do GLOBOESPORTE.COM entre as suas funções na limpeza da capela e a prova de soldador. A rotina começa às 6h, tem três paradas para oração, refeições e horário de lazer a partir das 18h. De lá, acompanha jogos pela televisão, com misto de saudade do Flamengo e paixão pelo Atlético-MG, este estampado na meia que usou durante a entrevista e na calça que sujou de terra com as defesas no treinamento também registrado pela reportagem.
– Reconheço que eu tenho que pagar a minha dívida com a Justiça. Tudo que aconteceu vai servir de experiência. Eu vou voltar. Chega de sofrer, sabe? Eu sofri muito e fiz muitas pessoas sofrerem.
Do sistema de presídio comum, onde passou cinco anos entre as penitenciárias Nelson Hungria e Francisco Sá, sobraram traumas e lembranças ruins. Tentativa de suicídio, uma facada que deixou marca e depressão tratada com remédios. Agora, foco no trabalho, nos cursos e nos treinamentos na Apac (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), uma ONG que administra prisões e trabalha em conjunto com diversos estados e os respectivos tribunais de justiça buscando “a humanização no cumprimento das penas privativas de liberdade”. O método tem inúmeros elementos, mas principalmente a confiança no detento, que passa a ser tratado pelo nome, usa crachá, não enverga uniformes da secretaria penitenciária e não passa pelas privações e lotações do sistema comum.
Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social apontam que os presos da Apac, chamados de recuperandos, custam ao estado um terço dos presos do sistema comum. Isso ocorre porque os próprios detentos cuidam da alimentação, limpeza e todos os demais afazeres da cadeia. São eles que fazem o pão e a comida, a limpeza e a pintura, a manutenção das instalações e cuidam até da portaria, por isso a per capita por condenado é considerada baixa. Além disso, trabalham com artesanato, confecção de tapetes, origami, aulas de violão, coral, diversos cursos profissionalizantes, capacitação à distância e educação em vários níveis com professores voluntários que marcam presença diariamente entre as grades.
O trabalho diário, a disciplina e o bom tratamento com a família, que não precisa passar por revistas como o agachamento em espelhos no caso das mulheres, fazem com que o índice de recuperação gire em torno de 85%. Hoje no sistema comum estima-se que mais de 70% voltam a reincidir no crime.
Sem o convívio com armas e algemas por perto – não há polícia e agentes penitenciários -, o clima é bem mais leve. A religião é aliada na recuperação. A disciplina, o carro-chefe. Quem se atrasa para as atividades perde benefícios como ligação para familiares e momentos de lazer, como ver televisão. Isso tudo controlado pelo CSS, o Conselho de Sinceridade e Solidariedade, espécie de órgão regulador administrado pelos próprios detentos. Outra grande diferença para o sistema convencional está na taxa de ocupação. No sistema fechado da Apac de Santa Luzia, há espaço para 120, mas atualmente há apenas Bruno e outros 92.
– Aqui nós temos no máximo 200 presos (contando regime fechado e semiaberto), enquanto no sistema comum chega a 2 mil, 3 mil por complexo. Então a gente acaba sabendo qual é a dificuldade de cada um. Na Apac todos os recuperandos fazem a segurança. Por isso que as chaves estão na mão deles. Todos têm uma função de confiança, o porteiro, o cozinheiro, o padeiro… Rebelião nós nunca tivemos, fuga tem, até porque nós estamos trabalhando com ser humano, uns bem resolvidos, outros nem tanto. Mas muito pouco perto do que acontece no sistema convencional. Ano passado, por exemplo, não tivemos fuga. É a confiança que leva a isso tudo. Se você compartilha a responsabilidade, eles se sentem co-gestores da situação – afirma Humberto Andrade, diretor de segurança da Apac de Santa Luzia.
– O mais bacana é quando você esbarra com um preso em liberdade na rua e vê o cara recuperado, trabalhando, com família forte – emenda Alexandre Nery, um dos voluntários que trabalham sem receber na Apac.
Cada preso tem direito a visita íntima a cada 15 dias. O contato com a família por telefone se dá três vezes por semana, com ligações de cinco minutos, tudo dentro da lei de execução penal. Nas primeiras terças-feiras de cada mês acontece o dia do ato socializador, quando os recuperandos ficam trancados para lembrarem do sistema comum. É neste ambiente que Bruno tenta se recuperar do crime cometido em 2010.
– Com um erro cometido, eu fiz pessoas sofrerem. Uma decisão meio que inconsequente, eu fiz pessoas chorarem. Eu vou lutar e vou dar a volta por cima.
Nesta conversa com o GLOBOESPORTE.COM, Bruno não quis transitar pelos detalhes do crime pelo qual foi condenando, garantindo que está escrevendo um livro com a “verdadeira história”. A amizade com Macarrão é coisa do passado, e o presente aponta conformismo com a pena.
De volta aos 90kg da época de Flamengo após chegar a ter perdido 16kg, o goleiro relatou momentos dramáticos pelos presídios, lembrou com saudade a época do Flamengo, mostrou mágoa com muitos companheiros do ex-clube, contou como acompanha o futebol atualmente, garantiu ter perdido todo o dinheiro que juntou na carreira, falou do amor pelo Atlético-MG, disse que se inspira em Edmundo para suportar a pressão quando voltar a jogar, afirmou que a primeira coisa que fará quando ganhar a liberdade é pedir perdão para muitas pessoas e calculou para 2018 o ano em que conseguirá o regime semiaberto e, consequentemente, a possibilidade de voltar aos gramados.
Confira a entrevista:
O período preso
– São cinco anos e nove meses recluso de liberdade. Um tempo muito grande. Uma vida, uma história. Mas já me serve de aprendizado. Se a pessoa pegar isso aqui como punição, é bem pior. A pessoa tem que aceitar para sobreviver nesse lugar.
Quem é o Bruno hoje?
– Um cara bem maduro, experiente. Um pai, um filho, um marido. Bem mais responsável que o Bruno de seis anos atrás.
Traumas do cárcere
– Quando você chega no sistema convencional, você é muito maltratado pelos agentes penitenciários, pela direção, mas o que dói mais é você receber a sua visita, a sua mãe, a sua esposa, e essas pessoas chegarem chorando. Isso me doía mais, ver o sofrimento da minha família.
Tentativa de suicídio
– Quando você vai para uma cadeia de segurança máxima, vai para um lugar chamado COC (Centro de Observação Criminalística). Um lugar de observação durante 15 dias. Mas eu fiquei 10 meses nesse lugar. Na Nelson Hungria, eu sempre fui muito perseguido e maltratado. Os agentes penitenciários faziam muita covardia. A pressão era muito grande. Eu cheguei ao ponto de perder o equilíbrio, acabei tentando o suicídio amarrando um lençol na grade e me joguei. Acabou que Deus botou a mão naquele momento ali e não permitiu que eu tirasse a minha própria vida. Quando eu saltei da ventana, o lençol partiu. Impressionante. Foi um dos momentos mais difíceis da minha caminhada.
Dificuldade para dormir e o uso de remédios
– Eu tive a infelicidade de me deparar com a depressão. Eu tentava dormir, virava para um lado, para o outro, o sono não vinha. Eu tentei procurar uma saída nos remédios. Isso é muito comum nos presídios. Me fez muito mal. Quando a minha família chegava era nítido como eu estava abatido. Minha mãe se deparava com aquela situação e chorava muito.
Trabalho dentro da cadeia no sistema comum
No sistema comum, aprendi várias profissões. A primeira foi trabalhar na faxina. Não é muito legal, não, mas era o que tinha para fazer. Mas eu sabia que era a oportunidade para reduzir a minha pena. Trabalhei na lavanderia, depois fui para a turma da capina, um serviço bem árduo e pesado. Mesmo assim era muito oprimido. Você está fazendo a sua função e os agentes penitenciários ficam em cima de você com fuzil na mão, te oprimindo. Se você para um pouco para descansar o cara já acha que você vai fugir. E isso dentro de um presídio de segurança máxima.
Relação com outros presos e facada
– Mente vazia é a oficina do diabo. Eu preferia, mesmo com toda a dificuldade, estar trabalhando do que estar dentro de uma cela. Fui condenado pela justiça por um crime no qual a justiça acredita que eu tenha participação. No sistema comum, o meu relacionamento com outros presos, no início, foi um mar de rosas. Fiquei quatro anos no pavilhão de trabalho da Nelson Hungria. Passei seis meses na Francisco Sá e depois voltei para Nelson Hungria, aí sim eu fui para o convívio, no pavilhão 12, com outros presos. Quando lá cheguei os presos me olharam com outros olhos. Um dia o Bruno foi amado por muita gente, agora era odiado por muitos. Devido à irresponsabilidade de algumas pessoas em programas sensacionalistas, eu fui agredido por terem divulgado inverdades falando que eu era de um grupo de extermínio (um programa de TV relacionou Bruno ao grupo de Bola, ex-policial civil e também condenado pela morte de Eliza Samúdio). Não foi uma coisa muito legal de ser dita no pavilhão que eu estava. Os caras não queriam nem saber. Para eles, tirar a vida de alguém lá tanto faz. É a mesma coisa de tirar a vida de um animal. Num banho de sol, fui agredido. Foi um corte no braço, mas graças a Deus pegou de raspão. Consegui superar essa situação e vir para Apac.
Cartas de fãs
– Na Nelson Hungria, nos dois primeiros anos, eu recebia mais de cem cartas por semana. Com o passar do tempo, vai caindo. E hoje, depois de quase seis anos, eu ainda recebo cartas de algumas pessoas. São atitudes como essa que nos fortalecem. Na situação que eu me encontro, a pessoa dar uma palavra de carinho mesmo sem saber se você é inocente ou não, fiquei muito feliz. São pessoas assim que nos motivam a dar a volta por cima.
Como acompanha futebol?
– Eu vejo jogos. Sou atleticano. Mas acompanho pouco. Na Nelson Hungria, não assistia. Quando via o Flamengo sofrendo, naquela cela escura e fria, eu pensava “poxa, poderia estar ajudando os companheiros e por causa de um deslize meu eu me encontro aqui afastado dos gramados”. Aquilo me doía muito, sofria muito. Só fui voltar a ver jogos com mais frequência aqui na Apac. Seleção brasileira eu também não acompanho desde 2010 porque todo mundo sabe que em 2010 eu poderia estar lá. Se falava muito dentro da CBF que meu nome estava na pré-lista. E devido a uma irresponsabilidade minha, o Dunga estava assistindo ao jogo contra o Avaí. Eu tinha autoconfiança, fui tentar driblar o rapaz e o cara quase tomou a bola. Tive que chutar para fora. E por causa daquele lance me custou muito caro e eu acabei não indo para a Copa de 2010. E a meta era chegar na de 2014 aqui no Brasil. Mas devido ao que aconteceu comigo fiquei fora. Vejo os jogos do Atlético Mineiro, acompanho. Mas não consigo ver jogos do Flamengo porque eu poderia estar ali. É até difícil de falar porque é muito forte, mas devido ao que aconteceu comigo não posso estar presente.
Bruno torcedor
– Agora eu posso cornetar, né? A vantagem é essa. Mas quando alguém falha, fura, eu tento explicar pros caras aqui que é o cansaço, que é psicológico, que são frações de segundos, mas os caras não perdoam. O Bruno torcedor é bem mais tranquilo.
Flamengo
– Não guardo mágoa do Flamengo, pelo contrário, agradeço muito ao Flamengo por ter me ajudado a chegar além. Eu achava que só de ter me profissionalizado eu já tinha alcançado meu objetivo. A torcida do Flamengo é diferenciada. Quando entrei no Maracanã pela primeira vez… aquele frio na barriga de jogar em time grande eu senti do primeiro ao último jogo. Eu sinto muita saudade de entrar no Maracanã e ver aquele mar de pessoas. Até das cobranças eu sinto falta. Eu vivi um momento muito marcante.
Antigos companheiros
– Essa pergunta é difícil de responder. Eu tinha muitos jogadores daquele grupo como meus amigos, mas para muitos eu não passava de um colega de trabalho. Tem pessoas que marcaram a minha vida e demonstraram lealdade. O Adriano me ajudou muito, nunca deixou de ser amigo de verdade, sempre demonstrou preocupação. O Sheik foi um cara que demonstrou carinho. O Fábio Luciano.. aprendi muito com ele sobre liderar uma equipe. A gente ajudava o companheiro que tava para baixo, estendia a mão. O Álvaro é amigo. O Juan, lateral-esquerdo baixinho, é um cara fenomenal. O Zé Roberto era show de bola. O Marcelo Lomba… Essas pessoas sempre ficaram preocupadas comigo. São pessoas que eu sinto saudade. Eu não sei se terei um dia a oportunidade de reencontrá-los, mas são pessoas que vou guardar com muito carinho no meu pensamento e no coração. Mas as pessoas que eu mais sinto falta são as pessoas que eu aprendi a ter como minha família, a pessoa que dobra a roupa, a tia da lavanderia, o cara que cortava a grama do campo, o Gigante, um dos preparadores físicos, um cara que só dava boas ideias. Eu sei que muitas pessoas ficaram preocupadas comigo, mas eu quero dizer para essas pessoas que eu estou bem, que eu estou feliz, independente de estar na situação que eu me encontro hoje. Eu estou feliz, com objetivo de vida, com metas a seguir. Voltei a ter esperança e vou lutar até o fim.
Adriano
– Falaram que eu teria proibido a entrada do Adriano na Nelson Hungria. Mas não foi assim. Ele queria me visitar, mas sendo uma pessoa pública não seria bom para ele. Eu pedi que chegasse essa informação nele para não deixá-lo ir lá. Quando falaram que ele iria me visitar, houve uma movimentação muito grande lá na Nelson Hungria. O Adriano é meu eterno amigo.
Mágoa
– A Patrícia Amorim proibiu o meu nome de ser mencionado dentro da Gávea, mas aquele grupo não precisava falar meu nome na imprensa. Daquele grupo eu queria ter recebido só uma carta. Independente se fosse uma crítica, mas eu faria daquilo ali algo positivo. As pessoas esqueceram do Bruno.
Quase ida para Europa
– Poucas pessoas sabem que naquele momento eu já estava praticamente com pré-contrato assinado com o Milan, já tinha aceitado sair do Flamengo devido a Patrícia Amorim ter mandado o meu treinador de goleiro embora (Robertinho).
Sem dinheiro
– Muitos acham que eu ainda tenho dinheiro. Mas devido aos anos recluso e aos problemas que tive nessa caminhada, perdi tudo. Não tenho vergonha nenhuma de assumir. Tudo que eu tinha conquistado num período de cinco anos de carreira, nesses seis anos eu perdi. O que sobrou é a vontade de dar a volta por cima, de vencer, de lutar, de reconquistar. Falando da parte financeira, talvez eu não chegue onde cheguei um dia. Mas que eu possa ter o suficiente para cuidar da minha família.
Voltar a jogar
– Se eu tivesse ficado no sistema comum, eu teria encerrado a minha carreira. Mas depois que eu vim para a Apac, onde tenho condição de estar treinando, de estar trabalhando, aprendendo novas profissões… Depois que eu vim para cá eu voltei a ter esperança. Acendeu uma luz no fim do túnel. Reconheço que eu tenho que pagar a minha dívida com a justiça. Existem muitas coisas para acontecer nesse processo. Mas quando eu conseguir o semiaberto eu vou correr atrás do tempo perdido. Tudo o que aconteceu vai servir de experiência. Eu vou voltar. Chega de sofrer, sabe? Eu acho que sofri muito e fiz muitas pessoas sofrerem. Mas está na hora de fazer essas pessoas felizes. Quando eu fui preso, eu não fui preso sozinho. Eu trouxe a minha família para dentro da cadeia. Um erro cometido, eu fiz todas essas pessoas sofrerem. Uma decisão meio que inconsequente, eu fiz essas pessoas chorarem. Eu vou lutar e vou dar a volta por cima.
Clubes interessados e fim do acordo com o Montes Claros
– Eu brinco que hoje eu posso ter proposta do Real Madrid, do Barcelona, mas enquanto eu não quitar parte da dívida com a justiça, nada disso vale. Eu quero viver com os pés no chão, com a realidade. Lógico que a pessoa tem que sonhar. E eu sonho alto. O meu contrato com o Montes Claros deixou de ser contrato a partir do dia que eles não cumpriram com o que estava no contrato. Não foi concedido (o semiaberto para voltar a jogar) porque eu me encontro no regime fechado. Não deu certo e eu acabei voltando. Os advogados já falaram que o contrato já não serve para mais nada.
Vai sair quando?
– A realidade, com a progressão de regime, pelas contas que eu faço, é lá para 2018. Lógico que tem muita coisa para acontecer no processo. Apelação para redução de pena, alguma coisa assim. O que a justiça achar que é justo, é isso mesmo. Pés no chão, cabeça erguida e bola para frente.
Treinamento dentro da cadeia
– A Apac te dá as condições, desde que você cumpra os seus deveres. Ela te dá as condições para crescer. E como eu era um atleta profissional de futebol, eu preciso cuidar da ferramenta. Por isso tenho a oportunidade de fazer um trabalho físico. E com isso inseri outras pessoas. Além de estar cuidando da saúde da rapaziada, ao mesmo tempo me motiva. Porque treinar a parte física, algo que o atleta não gosta de fazer, sozinho, com o passar do tempo, vai diminuindo a vontade. Mas é isso aí, vivendo um dia de cada vez.
O Bruno preparador físico
– Eu cobro para os recuperandos aqui sempre estarem evoluindo. Não é só um treinamento físico para o Bruno. Existem outros recuperandos treinando. Quando eu vejo um resultado, como um recuperando que perde 19 quilos e fica satisfeito com seu corpo, isso é gratificante. Não é só uma questão estética, é uma questão de saúde.
Futebol na prisão
– Eu jogo na linha para manter a parte física e trabalhar a parte técnica. Sempre fui um goleiro técnico, com capacidade de sair jogando com a bola nos pés. A gente estava invicto, o Pep Guardiola (é como chama o Tarcísio, um dos companheiros de cela e treinador da equipe) estava bem, mas veio um time com uma panela e meteram uma sacolada na gente aqui dentro. Mas queremos revanche. Não pode perder em casa, não.
O dia em que tomou um frango na cadeia
– Faz parte. O cara foi chutar lá do meio de campo, eu fui pegar a bola e ela passou no meio do cotovelo, que tava meio aberto. Passou debaixo da perna e não ficou muito bom pra mim, não. Os caras me zoaram muito, pegaram muito no meu pé. Mas eu levei na boa.
Pressão pelo crime quando voltar ao futebol
– Se eu falar para você que eu tô pronto, eu vou estar mentindo. Mas tenho que me preparar a cada dia. Tem pessoas que me inspiram, que eu pego como exemplo. Tudo que aconteceu na vida do Edmundo, do Belo, do Guilherme, do Alexandre Pires. Essas pessoas me motivam. Conseguiram dar a volta por cima. Muitos diziam “a carreira acabou”. Mas souberam lidar com essa situação. O Edmundo, teve um Flamengo x Vasco no Maracanã que após ele perder um pênalti que eu defendi, eu vi que ele estava bem cabisbaixo, com a moral baixa, e a torcida do Flamengo começou a pegar no pé. Eu vi que ele estava exausto psicologicamente. Naquele momento, eu abracei ele, falei “levanta essa cabeça”. Da mesma forma que um dia eu cheguei perto de um Edmundo, um ídolo que precisava de um incentivo, eu quero acreditar que num momento difícil que eu vou passar, tenho certeza que certas pessoas podem me motivar, para trazer uma palavra de força.
Bruno pai e a família
– Até isso a Apac me devolveu. Além de ter me devolvido a dignidade, o respeito, me trazido confiança, me devolveu o direito de eu ver as minhas filhas, a Bruna Vitória e a Maria Eduarda. Eu não vejo o Bruninho não é porque eu não quero. É porque eu não posso. O sistema comum me tirou o direito de eu ver as minhas filhas. Fiquei sem três anos sem vê-las. Fiquei dois anos sem ver a minha mãe. A Apac restituiu a minha família. Minha família hoje é a Ingrid, minha esposa guerreira, a minha mãe, que mesmo com todos os problemas de saúde vem me visitar, minhas filhas, meus tios. Eu incluo o meu sogro, o pai da Ingrid. Desde o primeiro dia ele falou: “eu tô deixando minha família namorar não é com o goleiro do Flamengo. É com o Bruno. Não pisa na bola, não”. E eu pisei. Mas ele me deu uma nova oportunidade e depois que aconteceu tudo isso comigo, ele abraçou a causa, independente se eu estava certo ou errado.
A ida para Apac
– No sistema comum, quando eu já estava a ponto de me entregar, Deus usou o Humberto Andrade (um dos diretores da Apac de Santa Luzia) para me resgatar naquele lixão. O sistema convencional é isso, um lixão, um depósito de gente. Na Apac, a pessoa consegue mudar de vida. Deixei de ser tratado como um número. Me devolveram meu nome. Deixei de usar um uniforme vermelho da Suapi (Subsecretaria de Administração Prisional) e voltei a usar a roupa que eu gosto. Na Apac você não pode raspar a cabeça. Tem que manter um corte de cabelo, a barba bem feita. Aqui a pessoa tem que querer mudar. O presidente Gustavo Salazar, o vice-presidente Hilton. Todos me trataram muito bem. E sem falar nos recuperandos, pessoas que me ajudaram muito, como o Ivo Marcos, o Tarcísio, que me ensinou muita coisa, as regras e a disciplina daqui, e o Alonso, que é um cara sensacional. Tenho certeza que com ajuda dessas pessoas vou sair daqui uma pessoa bem melhor. Aqui você vê resultado. No sistema comum, uma pessoa entra um ladrão de galinha e sai um megatraficante. Na Apac, se mata o criminoso e recupera o homem.
Primeira coisa a fazer quando ganhar a liberdade
– A primeira coisa que eu vou fazer é pedir perdão para todas aquelas pessoas que eu devo perdão. Eu devo muita satisfação para muita gente. Mas é pedir um perdão verdadeiro, do coração mesmo. É a primeira coisa que vou fazer quando chegar lá fora.
Onde vai morar?
– Com certeza quero voltar para o Rio. A minha esposa mora lá. Assim que ganhar a minha liberdade quero ir para lá. Nem que seja para passar um tempo. Depois começar a colocar a minha vida em ordem. Aí sim pensar o que eu quero para minha vida.
Escrevendo um livro
– Quando aqui cheguei, tive a oportunidade de conhecer um menino chamado Bruno Carlos. Ele falou: “Poxa, Bruno, por que você não faz um livro? Eu até comecei a fazer esse livro na Nelson Hungria, mas era tanta porrada, um dia a dia tão pesado, que acabou que toda vez que tinha uma geral na minha cela eles rasgavam tudo. Eu perdi o material e isso me desanimou. Mas quando aqui cheguei, nós iniciamos esse livro, começamos a escrever. E tá saindo. É um livro que vai surpreender muita gente. Vou falar sobre tudo. Sobre a infância do Bruno, como o Bruno profissionalizou no Atlético, a minha saída do Atlético, o que realmente aconteceu já que ficou um clima ruim e a torcida até hoje não sabe por quê eu saí. A minha ida para o Corinthians e o que aconteceu lá, o tempo que eu passei no Flamengo, os bastidores, o que acontecia no dia a dia, festas. Posso acrescentar alguma coisa do fato que aconteceu comigo, o que realmente aconteceu, a verdadeira história que quase ninguém sabe. Mas eu não posso fazer um livro sem um final feliz. Eu não posso fazer um livro e simplesmente terminar dentro da cadeia. Todo livro tem que ter um final feliz, e eu estou esperando esse final acontecer na minha vida.
Por Bernardo Pombo e Luiz Cláudio Amaral, do GLOBOESPORTE.COMSanta Luzia, MG
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