Se existe algo de bom em qualquer crise é o aprendizado que se pode tirar das medidas tomadas para resolvê-la. De início, todos ficam meio atônitos durante o processo para encontrar a solução.
Isso é o que vem ocorrendo no Brasil, nesse momento de crise econômica e política. No campo político, as distorções são mais profundas, porque nele a regra são a esperteza, o oportunismo, a malandragem.
Pelas artimanhas utilizadas para atrapalhar a apuração do Conselho de Ética sobre suas traquinices na política no dia 5 de maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender o exercício do mandato do deputado Eduardo Cunha e, por consequência, seu posto na presidência da Câmara. Essa decisão deveria ter merecido destaque pelo ineditismo. Só. Mas os inúmeros especialistas do direito, da imprensa e da política, como é praxe nessas situações, externaram uma preocupação excessiva com a previsão constitucional da não interferência entre os Poderes da República.
Parece que se esqueceram de que o princípio da criação dos poderes tem exatamente a função de equilibrar a atuação deles para que nenhum abuse de suas prerrogativas sobre os cidadãos, nem sobre o outro Poder. Com esse balanceamento, busca-se evitar o soberano, o absolutismo. Mas, como diria minha saudosa mãezinha: os especialistas “indoidaram” de vez.
Ainda mais quanto à ingerência do Poder Judiciário, em que “o STF é a última trincheira da cidadania”, como costuma lembrar o ministro Marco Aurélio Mello. A função precípua é exatamente a de interceder onde houver descumprimento das normas legais, seja por quem for, desde que tenha prerrogativa de foro para ser julgado pela Suprema Corte.
De inusitado mesmo, apenas o fato de essa preocupação generalizada só ocorrer agora e nunca ter sido manifestada antes em defesa de vereadores e prefeitos de pequenas cidades, quando foram, ou são, afastados de suas funções por juízes de primeira instância.
Essa construção de inalcançáveis pela Justiça visa beneficiar a turma do andar de cima. A troco de quê? Não se sabe. Ela existe, assim como as forças ocultas mencionadas por Jânio Quadros.
Qualquer pessoa, em qualquer cargo, de qualquer Poder, pode ser julgada pela Justiça. Isso parece óbvio, ululante. A interferência constitui a essência do Poder Judiciário. É contraditório afirmar o contrário. Nada está acima ou fora da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV).
Esse entendimento é um dos alicerces da construção do próprio direito. Tem por objetivo evitar a sobreposição dos mais fortes sobre os mais fracos, em que aqueles impõem suas vontades e decisões sobre os demais quando e como bem entenderem, além de não deixar a resolução de conflitos entre os particulares na base do dente por dente, olho por olho.
A tão decantada violação da independência entre os Poderes se aplica na sua gestão administrativa, na sua operacionalidade, desde que em conformidade com as normas legais, regra da qual não escapa nem o próprio Poder Judiciário.
O Supremo não só pode, como deve interferir em tantos atos e de qualquer Poder que tenha ferido a lei, a Constituição. Tantos quantos… tantos quantos… Até alguns ministros se justificavam, como a dizer: “olha, estamos sendo obrigados a fazer isso; não é da nossa vontade”.
Instituições não possuem vontade própria. O que deve ser feito tem de ser feito. Ponto.
Os ministros do STF deveriam ser alertados de que têm o dever de atuar quantas vezes forem provocados. E a eles cabe verificar autoria, materialidade, circunstâncias e todos os demais elementos que compõem um processo judicial. A origem do ato, não importa de que Poder, não tem nenhuma relevância jurídica para se eximir da apreciação pelo Poder Judiciário.
Ao contrário do que apontam os espertos defensores do andar de cima, essas decisões não enfraquecem a democracia. Isso é a democracia; é a democracia na sua pujante plenitude.
De Pedro Cardoso da Costa, colunista do Por Dentro de Minas
Bacharel em direito
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