A mentira tem perna curta. Errado. A perna é enorme. Quanto mais se mente, maior a perna. E como o único modo de sustentar a mentira é mentindo cada vez mais, o número de pernas aumenta. Surgem verdadeiras mentiras polvo. Oito pernas é pouco. São verdadeiras centopeias com pernas enormes. Talvez o melhor seja imaginar um híbrido, uma centopeia com cem pernas de polvo.
Coordenar a passada de cem pernas é extremamente difícil. Como evitar que uma se enrosque na outra? Como manter a cadência do caminhar? É difícil, pra não dizer impossível. Somente a centopeia de verdade consegue, mas apenas tem êxito por ser criação divina. Os humanos jamais.
Há quem minta para conquistar. Uns pra esconder. Há aqueles que querem fugir da monotonia e aqueles que o fazem pelo simples prazer de enganar. Outros acham que somente podem conseguir o que querem por intermédio da mentira. Finalmente há os que querem esquecer. Mentem para apagar os males que a vida lhes trouxe.
As conquistas obtidas pela mentira são fugazes, pois “quem sobe se arrastando perde, na indecência do gesto, o direito às alturas”. Os que mentem pra esconder vivem com o medo de serem descobertos. Passam a vida inteira em vigília, imaginando em palavras ou olhares indícios de terem sido descobertos.
Os que querem fugir da monotonia não percebem como são ingênuos. Uma mentira muitas vezes repetida não se torna verdade. Vivem uma ilusão e sofrem internamente por isso. Usam o que não fizeram como pretexto para nada fazerem.
Os que sentem prazer em enganar são doentes. A mentira não é apenas uma verdade que se esqueceu de acontecer. É mais do que isso. Corrói a alma de quem engana e do enganado. Deixa um rastro de dor por onde passa.
Aqueles que mentem para atingir seus objetivos e obter vantagens perdem suas conquistas com a verdade. Ninguém engana a todos durante todo o tempo. São conquistas fugazes, que atraem a ira daquele que foi enganado. Com a descoberta perde-se a vantagem e se ganha um inimigo.
Os que mentem para esquecer jamais esquecem de verdade. É impossível apagar a trama da própria vida e os sentimentos que os infortúnios deixaram. Avivam a dor cada vez que falseiam a própria história.
Há, contudo, um mal que todas as espécies de mentira causam: abalar a confiança do homem em seu semelhante. Esse é o maior de todos os males. A crise ética criada pela profusão de mentiras traz uma crise de confiança no próprio ser humano. O homem moderno pressupõe que o seu semelhante mente e reage “de acordo” mentindo também. Pensa que não é errado enganar o enganador e perpetua a cadeia.
É necessário quebrar o ciclo com a verdade. Primeiro dizendo as verdades mais difíceis, aquelas que escandalizam. O mais difícil sempre deve vir primeiro. Depois dessa barreira tudo fica fácil e passa a ser possível viver na verdade diariamente. Somente vivenciando a verdade é que se pode andar com a cabeça ereta. O caminhar pode ser árduo, mas as conquistas serão duradouras e trarão a marca da liberdade.
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