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Opinião: Artimanha

Nunca prestei muita atenção à pintura ou à escultura. Tinha muita dificuldade em encontrar sentido na arte abstrata. Recentemente, contudo, o meu ponto de vista mudou. Três foram as razões. A primeira foi o pensamento de Rubem Alves em seu livro “Ostra feliz não faz pérola”. Em síntese ele afirma que a arte se desprende do sentido imaginado pelo autor. Cada indivíduo estabelece uma relação única com as obras de arte e por isso uma mesma obra pode assumir significados diversos para diferentes intérpretes. Afirma ainda que as obras de arte não podem ser apreciadas com pressa.

A segunda foi uma observação de Oscar Wilde no prefácio de o retrato de Dorian Gray. Segundo o autor inglês, não devemos procurar sentido na arte porque toda arte é inútil. A arte tem relação com o belo e com os sentimentos e só.

Coincidentemente li os dois livros praticamente juntos e posteriormente tomei contato com a obra de Francisco Brennand. Esse artista plástico paraibano faz obras de arte, que inicialmente parecem esquisitas. Diversas formas de falos e corpos disformes. Na verdade foram centenas. Estava odiando a exposição até me lembrar dos pensamentos lidos recentemente.

Decidi me esforçar. Escolhi uma das estátuas mais esquisitas. Dois corpos disformes interpenetravam-se e eram unidos na parte de cima por um parafuso com duas “porcas borboletas”, uma em cada ponta. Na parte de baixo juntavam-se por um prego retorcido. Olhei para aquilo e decidi encontrar um sentido para mim. Dei tempo ao tempo. Não me preocupei com a utilidade daquilo. Procurei verificar o sentimento que evocava em mim.

Subitamente um lampejo. Tratava-se de um símbolo do amor, da paixão, do sexo. Os corpos se misturando mostravam o que sentimos quando amamos. Parece que somos uma coisa só. O parafuso vai sendo apertado cada vez mais forte pelas “borboletas” até que perdemos a nossa individualidade. Inicialmente sentimos prazer com tudo isso, mas a mesma fonte de prazer é a fonte da dor para ambos os corpos e é isso que o prego retorcido representa.

Não sei se a minha interpretação foi boa ou correta. Sei, contudo, a força com que aquele símbolo me transmitiu essa ideia. A imagem ficou gravada na minha mente. De hoje em diante parei de esculhambar essas artes modernas. Não sei o que tinha aquela escultura, mas para deixar uma impressão tão forte era mais do que arte, era artimanha.

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