A pandemia de Covid-19 impôs aos setores público e privado de todo o mundo o desenvolvimento, adoção e/ou aprimoramento de ações relacionadas à saúde digital. Esses recentes e bem-vindos avanços somam-se a programas e pesquisas que acontecem há mais de duas décadas no país e que envolvem universidades, empresas e governo. São iniciativas com sistemas de informação e comunicação diversos, os quais, na maioria das vezes, não possuem interoperabilidade.
O intercâmbio entre essas tecnologias pode melhorar os cuidados das pessoas com condições e doenças crônicas não transmissíveis no Brasil. Tendo em vista os benefícios para essa população, o Fórum Intersetorial para Combate às Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil (FórumDCNTs) realizou, no dia 7 de julho, o painel CCNTs/DCNTs, Saúde Digital e Interoperabilidade.
Os benefícios do compartilhamento de dados em saúde
O registro unificado e o acesso compartilhado às informações dos sistemas de saúde digital do Brasil permitirão decisões em saúde pública baseadas em uma visão integral de cada pessoa. “Identificaremos em quais locais estão os brasileiros com condições e doenças crônicas e quais determinantes sociais da saúde estão atrelados a elas. Assim, poderemos assegurar que as linhas de cuidado alcancem as pessoas certas”, explicou Dr. Lincoln Moura Júnior, membro da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS). O engenheiro afirmou que as ações de prevenção também serão melhor direcionadas, pois os dados relativos às CCNTs/DCNTs facilitarão a estratificação da população conforme os resultados de avaliações de riscos.
Para Alan Silva, secretário geral do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS/MG) e secretário municipal de saúde de Divinópolis/MG, o fortalecimento de projetos de interoperabilidade trará um aumento gigantesco na eficiência do SUS, além da economia de recursos financeiros. “A integração dos sistemas que monitoram toda a linha de vida do usuário evitará a solicitação desnecessária de exames e o desperdício de medicamentos”, ressaltou.
Em todos os níveis da atenção à saúde, a agilidade garantida pela organização e gestão das informações digitais do usuário pode salvar vidas. Em Pouso Alegre (MG), a secretaria municipal de saúde iniciou, em janeiro deste ano, a implantação de um projeto digital para otimizar a jornada das mulheres com câncer de mama na cidade. Informações obtidas pelas usuárias da atenção básica são inseridas em um aplicativo. “A partir desses dados, conseguimos detectar quem fez, ou não, mamografia, o resultado desse exame e o tempo decorrido desde sua realização. Com isso, priorizamos o retorno das mulheres que apresentaram alterações nas mamas, de maneira a agilizar o diagnóstico e tratamento, evitando que o tumor atinja um estágio avançado”, relatou Silvia Regina da Silva, secretária de saúde.
Desafios e estratégias de saúde digital
O diretor de Políticas Públicas no Instituto de Estudos para as Políticas de Saúde (IEPS), Arthur Aguillar, enfatizou que a política digital de saúde deve ser objetiva e escalonada para não correr o risco de ser reduzida a um protocolo de intenções. Estas recomendações integram um amplo estudo técnico do IEPS sobre os desafios da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028.
Gabriella Neves, assessora da Coordenação Geral de Inovação em Sistemas Digitais do DATASUS, apresentou o aplicativo Conecte SUS como sistema de apoio ao autocuidado das pessoas com CCNTs/DCNTs. Nele, são disponibilizadas informações para a adoção de hábitos saudáveis e um programa de 12 semanas para melhorar a alimentação e praticar atividades físicas. O aplicativo possui campos para o preenchimento, pelo usuário, de seus índices pressóricos, glicêmicos e de massa corpórea, permitindo o acompanhamento de sua evolução ao longo do tempo.
Saúde digital pode colaborar para a equidade de acesso ao SUS
O evento também debateu as oportunidades geradas pela saúde digital para a promoção da equidade, um dos três princípios fundamentais do SUS. “A Telessaúde abre uma porta de acesso imensa para as regiões que carecem de equipamentos e profissionais de saúde, como a Amazônia Legal. A Teleconsultoria pode aumentar a resolubilidade da atenção básica por meio da orientação a distância que as equipes locais recebem de especialistas”, destacou Aguillar.
Um exemplo da promoção de equidade pela telemedicina é o Projeto Minas TeleCardio, implementado em 2005 pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). “A telecardiologia surgiu da constatação da necessidade de suporte clínico para pontos remotos do estado com alta mortalidade por condições cardiovasculares e baixo acesso à eletrocardiografia. Iniciamos, então, o telediagnóstico por meio da realização desses exames a distância (TeleECG)”, contou a Prof.ª Dr.ª Isabela Borges, coordenadora clínica do Centro de Telessaúde do HC-UFMG.
Segundo Borges, o projeto coordenado pelo HC-UFMG cresceu ao longo dos anos e se expandiu para vários estados. Até o momento, foram efetuados mais de sete milhões e meio de laudos de ECG. Os dados gerados pelos telediagnósticos em cardiologia permitiram o desenvolvimento, por meio de inteligência artificial, de modelos de predição de hospitalização e mortalidade da população com condições e doenças cardiovasculares.
O ECG é essencial para o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio, principal causa de morte no Brasil e no mundo. Quanto mais cedo a suspeita de infarto for confirmada, mais rápido serão realizadas as intervenções de emergência. “A maioria das mortes acontece nas primeiras horas após o início dos sintomas. Com isso em mente, em 2014 implantamos o teleECG no atendimento pré-hospitalar em Montes Claros/MG. Constatamos o impacto positivo nos desfechos dos tratamentos, com redução da mortalidade hospitalar de 17, 2% para 11,6% e da mortalidade pré-hospitalar de 4,7 para 3,5%”, expôs a professora. Atualmente, está em fase de implementação o telediagnóstico em cardiologia em ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), resultado de uma parceria entre a UFMG e o Ministério da Saúde.
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